Uma aula sobre transporte público

Replico aqui dois textos primorosos do Américo Sampaio, que ele publicou em seu Facebook, e que constituem uma verdadeira aula sobre a questão do transporte público, a partir dos acontecimentos recentes em São Paulo.. Vale a leitura.

A NATURALIZAÇÃO DO AUMENTO DA TARIFA DOS ÔNIBUS EM SÃO PAULO

Américo Sampaio – 10/1/2019

https://www.facebook.com/americosampaiooficial/

No último dia 7 a Prefeitura de São Paulo ajustou a tarifa do transporte público municipal de R$ 4,00 para R$ 4,30. Além disso, os valores dos demais serviços também foram modificados, o Bilhete Diário comum (24 horas) passou de R$ 15,30 para R$ 16,40 e o Bilhete Mensal comum de R$ 194,30 para R$ 208,90. A tarifa integrada dos trens do Metrô e da CPTM com os ônibus também sofrerá modificações a partir da semana que vem, subindo de R$ 6,96 para R$ 7,48.

Sobre este assunto, 5 pontos merecem destaque:

1- O debate sobre o reajuste da tarifa dos ônibus não deveria ficar restrito apenas à discussão sobre o aumento estar acima ou abaixo da inflação do período. Nesses termos acabamos por promover uma infindável guerra de números e deixamos de discutir o central da questão que é o modelo de transporte público que queremos para a cidade. A pergunta fundamental nesse debate não é se a tarifa foi ajustada dentro ou não da inflação dos últimos anos, mas sim qual é o sistema de financiamento mais adequado para o transporte público municipal de São Paulo, que promova, ao mesmo tempo, justiça fiscal e qualidade na política de mobilidade urbana;

2- É preciso tornar nítido nesse debate que, definitivamente, não é necessário reajustar a tarifa dos ônibus para subsidiar o sistema de transporte. Esse reajuste, que se naturalizou na cidade, é uma decisão política e não técnica. O custo do subsídio do sistema municipal de ônibus é alto sim (R$ 3,3 bilhões em 2018), mas isso por si só não justifica que a Prefeitura repasse a conta para os usuários anualmente. Existem diversas outras fontes de receita que poderiam ser utilizadas para subsidiar o sistema de ônibus, como por exemplo, a criação de alíquotas específicas de IPTU para as regiões mais valorizadas da cidade, ampliação das áreas de Zona Azul, utilização de publicidade no sistema de transporte (respeitando a Lei Cidade Limpa), taxar automóveis privados e/ou a gasolina, ou mesmo redesenhar os mecanismos de remuneração das empresas que fazem a operação dos ônibus da cidade, que, diga-se de passagem, lucram juntas cerca de R$ 500 milhões ao ano. Isto é, alternativas existem, basta querer aplicá-las. O contraste é estrondoso quando observamos que enquanto a Prefeitura opta pelo aumento da tarifa para subsidiar o transporte público, apenas 100 empresas da cidade devem em impostos à Prefeitura de São Paulo mais de R$ 34 bilhões;

3- É importante mencionar também nesse debate que a Prefeitura não conseguiu publicar o novo edital de licitação dos ônibus da cidade até o presente momento. Esse problema é grave e se arrasta desde 2013. A não publicação do novo edital gera dois problemas grandes para a cidade. De um lado os contratos emergenciais, que são necessários pelo fato de o prazo da antiga licitação já ter se esgotado, mas sem o novo certame as novas empresas não podem começar a operar. Essa modalidade de contratação emergencial é estabelecida sem nenhum controle efetivo da população ou de outros órgão…

[12:42, 17/1/2019] Ermínia: Leiam o maravilhoso texto do Américo sobre o recente aumento da tarifa em São Paulo. Uma aula sobre mobilidade.

[12:45, 17/1/2019] Celso Carvalho: Muito bom mesmo este texto do Americo. Essencial para construir nossa proposta de mobilidade

[13:28, 17/1/2019] +55 21 97910-9100: Por Daniel Cerqueira

Armas, segurança do lar e Roubos de residência.

Os armamentistas argumentam que a posse de arma no lar serve para garantir a segurança do "cidadão de bem" e de sua família; e para dissuadir os criminosos, uma vez que o risco do crime aumentaria. Segundo as evidências científicas internacionais, nada mais falso.

1) A arma dentro de casa é um fator de insegurança para o lar e faz aumentar em cinco vezes as chances de algum morador sofrer homicídio ou suicídio, fora os acidentes domésticos envolvendo crianças que matam milhares de crianças americanas a cada ano.

Abaixo algumas referências (não identificamos nenhum estudo estimando o risco de vitimização por liquidificador):

a) Cummings, P., Koepsell, T. D., Grossman, D. C., Savarino, J. e Thompson, R. S. (1997). The Association Between The Purchase of a Hangun and Homicide or Suicide. American Journal of Public Health. June 1997, Bol. 87, No. 6.

b) Kellermann, A. L. et alli (1993). Gun Ownership as a Risk Factor for Homicide in the Home. The New england Journal of Medicine. Vol. 329(15), PP 1084-1091.

c) Kellermann, A. L. et alli (1992). Suicide in the home in relation to gun ownership. The New england Journal of Medicine. Vol. 327(7), PP 467-472.

2) A arma é um capital físico importante para o criminoso contumaz, de modo que a arma dentro de casa pode funcionar como um chamariz (veja, por exemplo, que até firmas de segurança são assaltadas com o fito de levarem as armas). No sentido contrário há a hipótese de dissuasão armada. O que dizem as evidências? Como, geralmente, não há dados disponíveis para aferir a questão, não há estudos.

Uma única exceção é o estudo (https://www.nbe genter.org/papers/w8926) dos professores Cook e Ludwig das universidades de Stanford e Chicago, que chegam à seguinte conclusão “nossa análise concluiu que a taxa de roubos a residências tende a aumentar com a prevalência de armas na comunidade”.

Ou seja, o efeito chamariz parece ser mais forte. Você que está pensando em ter uma arma em casa se cuida, mesmo porque existe o efeito surpresa (o criminoso o abordará, provavelmente, antes de você entrar em casa, ou ainda de forma a não permitir tempo para a reação.

AO VENCEDOR OS CONTRATOS: A MÃO INVISÍVEL DO BARONATO PAULISTANO

Américo Sampaio 9/2/2019


Foram abertos na última quarta-feira, 5 de fevereiro, os envelopes da licitação dos ônibus da cidade de São Paulo. Arrastado de maneira estratégica desde 2013, o resultado do certame é o pior possível: 32 lotes licitados e em apenas 1 teve concorrência. Nos demais, por uma sorte divina, participaram exatamente uma empresa por lote.

As participantes são, em sua maioria, as mesmas empresas que já operam o sistema de ônibus da capital desde 2003. Algumas, porém, são neófitas. Sem histórico, sem antecedentes trabalhistas, sem pendengas judiciais de nenhuma natureza, isto é, empresas limpas. Ou melhor, empresas vazias. Vazias de pendências administrativas e também de ética e de moral. Cascas de empresas novas que carregam a impetuosa novidade de trazerem em seu interior o velho e malfadado baronato paulistano e suas nebulosas dinastias da mobilidade urbana.

O resultado dessa primeira parte da licitação dos ônibus da cidade é um fracasso completo. A expressão maior de uma gestão municipal incapaz de se olhar no espelho e reconhecer em si mesmo os sinais do estado vexaminoso em que se encontra. Por mais forte que isso possa parecer, é a verdade. A abertura dos envelopes representa um vexame retumbante. Uma inaptidão dos poderes públicos municipais em conseguir garantir lisura, comedimento e competitividade na disputa pela gestão de uma frota de ônibus que transporta 10 milhões de pessoas diariamente.

Um governo eleito por urnas recheadas de gestão, eficiência e feroz combate à corrupção se vê agora desmoralizado, inócuo e impotente frente à realidade: a maior licitação de sistema de ônibus do mundo foi um desastre, e não teve concorrência alguma. Em outras palavras, venceram os barões, perdeu a população. Não teve gestão, nem eficiência, nem nada. Viagens internacionais, vídeos em inglês, reuniões e jantares com empresários nos países desenvolvidos e um “road show” da Prefeitura apresentando a licitação a empresários Brasil afora. Nada disso adiantou. Tudo permanecerá igual no sistema de ônibus da cidade pelos próximos 20 anos. Ruim, caro e demorado.

Envelopes abertos, realidade nua. Continuarão a mandar os que sempre mandaram, e permanecerão a obedecer aqueles que sempre obedeceram. Teria saído mais barato para os cofres municipais se a Prefeitura não tivesse feito absolutamente nada e apenas fossem renovados por mais duas décadas os contratos com as atuais empresas de ônibus da cidade. Se assim fosse teria sido menos humilhante.
No entanto, é indubitável o fato de que o resultado da licitação foi antecipado por uma miríade de atores políticos e institucionais. De movimentos sociais ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), de organizações da sociedade civil ao Tribunal de Contas do Município (TCM), de vereadores a jornalistas, de consultores especialistas ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), de conselhos municipais à Secretaria Nacional de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac), este último vinculado ao Ministério da Fazenda. Nos últimos dois anos, em uníssono, todos disseram basicamente a mesma coisa: se a Prefeitura levar adiante seu texto do edital, os barões vão vencer. E venceram.

Mas, se tão avisado, por que nada foi feito? Porque a mão invisível do baronato paulistano está presente em todos os espaços políticos, mas sem ser devidamente notado, é demasiadamente poderoso e oculto. É possível conseguir perceber sua movimentação, mas não vemos suas mãos.

Na Câmara Municipal, por exemplo, o Projeto de Lei (PL) 853/2017, de autoria do ex-prefeito João Doria, era um antídoto para essa licitação. A propositura poderia, por exemplo, resolver o problema do período fixado em 20 anos para a concessão dos ônibus e trazer à baila um prazo mais curto para os contratos – o que seria recomendável. Mas, misteriosamente, esse PL simples e com apenas seis artigos, teve sua análise adiada por mais de vinte sessões pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de Vereadores, impedindo, dessa forma, que o Projeto de Lei tramitasse antes da realização do certame.
Mistério semelhante aconteceu no Tribunal de Contas do Município (TCM). Ao longo dos últimos anos o TCM apresentou análises e relatórios que apontavam pelo menos 50 irregularidades no edital da Prefeitura. Dentre elas, umas das principais aberrações era a Taxa Interna de Retorno (TIR), que, segundo o Tribunal, deveria ser de 6%. Mas, após muitas idas e vindas, o próprio TCM autorizou o teto de 9%, como queria a Prefeitura, com a justificativa de que isso traria mais competitividade à licitação. Pois bem, concluído o certame, não houve concorrência e as empresas vencedoras conseguiram uma taxa de remuneração mais alta do que a necessária. E os demais apontamentos feitos ao longo do processo, porém, foram solenemente ignorados pela gestão municipal e, enigmaticamente, o texto foi publicado ao arrepio dos questionamentos do Tribunal.

E, ainda, outra incógnita dessa nebulosa licitação, foi a posição do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que, por meio da mesma Desembargadora que liberou o aumento das velocidades nas marginais em 2017 – atendendo, à época, ao pedido do ex-prefeito João Doria –, afirmou agora que não havia problemas de isonomia no edital dos ônibus da gestão Bruno Covas, liberando-o e dando de ombros para o posicionamento de todos os órgãos que se manifestaram ao longo do processo e que afirmavam o contrário: restar mais nítido que a água que o certame promovido pela Prefeitura tinha graves problemas de competitividade, e que, dessa forma, privilegiar-se-ia as atuais empresas que operam o sistema.

Pois é. Enigmas, mistérios e outras incógnitas... São fatos que não se explicam, nem são lógicos, e sim operados por uma mão invisível. Voltaremos a este assunto daqui a vinte anos!

Logo após a abertura dos envelopes o Secretário Municipal de Transportes, Edson Caram, disse em tom de desespero ao ser confrontado por jornalistas sobre a falta de competitividade na licitação: “mas o que eu posso fazer?”. A resposta é simples, Secretário: nada. Nenhum poder municipal pode com o baronato paulistano.

E para quem acredita que o Tribunal de Contas do Município ainda pode reverter esta situação na fase de análise e conclusão dos contratos, fica a charada final: por que o Conselheiro da Corte municipal, histórico responsável pela relatoria de transporte, foi trocado por sorteio na semana passada?
Essa charada é fácil de explicar e simples de entender.