A nossa mídia

A mídia brasileira é de fato impressionante. Não sei se constrói versões ideológicas a favor dos poderes dominantes – econômicos e políticos –  tão concatenadas por absoluta genialidade e coesão política ou se é puro acaso. Ou se é uma obtusão e idiotice tal que não percebe sequer o grau de manipulação que, em um efeito de boiada, a faz repetir ad infinitum e feito um mantra uma única versão dos fatos, sempre uma interpretação toscamente favorável aos interesses dominantes.

Foi o que aconteceu esta semana com a onda de leilões lançados pelo governo federal para promover obras de infraestruturas, de aeroportos, portos e estradas.

A informação que deu notícia é a de que os leilões foram um fracasso, pois as empresas, de modo geral, se apresentaram em número menos significativo do que o previsto, em alguns deles. 

A versão que inundou a mídia impressa, radiofônica e televisiva, sempre na voz de impagáveis “especialistas”, foi a de que: 1) os leilões foram um desastre; 2) isso por incompetência pura do governo federal; 3) a incompetência era a de ter criado “intervenção estatal demais” nos leilões, o que teria “assustado” os investidores.

A incompetência do governo, segundo a mídia e seus “especialistas” está, portanto, em querer que a Petrobrás tenha uma participação de 30% na exploração dos campos do pré-sal, que as tarifas de pedágio das rodovias não sejam estratosféricas (como as de São Paulo, diga-se), ou que a Infraereo tenha atuação de regulação dos aeroportos.          

Na minha língua, isso não é bem incompetência. É opção de política econômica. É uma abordagem dos leilões (após a era das privatizações vale-tudo) de cunho keynesiano. Nada muito grave, nada perto de alguma solução “chavista”, de nacionalizar tudo. Não, apenas a exigência de uma regulação ou uma participação estatal minoritária nesses fenomenais e lucrativos mercados que se abrem.

Se as empresas se assustaram, pode até se compreender. Jogo político, fazem o jogo delas, e é papel do governo manter ou não as condições, avaliar o que faz. Muitos dos leilões tiveram sim vários proponentes, mas esses foram pouco divulgados. Manteve-se o foco nos que deram problema.

Os jornais podiam lançar uma discussão de conteúdo, com argumentos, assumindo sua posição: assumir que são contra qualquer intervenção do estado, ou que a Infraereo é marcada por escândalos e de nada serve coloca-la no controle dos aeroportos, que defendem os interesses dos grandes grupos econômicos, ou o que for. Se a questão fosse apresentada nos seus termos reais, seria uma argumentação sobre posições de política econômica, uma discussão construtiva.

Mas não, o que aparece na mídia para a opinião pública comum é que é uma questão de competência ou incompetência, apenas. Parte-se do princípio e difunde-se como líquida e certa a ideia de que “excesso de intervenção” é algo ruim. Está feito o discurso ideológico, difundido à exaustão para a opinião pública, e que na prática serve aos interesses dos bilionários grupos econômicos que querem intervir no Brasil sem amarras ou restrições.

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Para coroar o processo, de forma incrivelmente concatenada, a The Economist, revista que Maria Conceição Tavares já denunciou há anos como sendo porta-voz de grupos econômicos poderosos, solta uma capa com um Cristo Redentor-foguete caindo ao mar, após uma decolagem estupenda (que havia merecido uma primeira capa) e um vôo de barata.

O suficiente para a midiazona sair dizendo que é o fim do vôo virtuoso da economia brasileira “emergente”. Ninguém procura verificar as ligações da dita revista, vale apenas o factoide. Engraçado, pois na semana passada era um constrangimento geral com o fato do PIB do trimestre ter crescido muito acima do esperado e anunciado.

Não estou aqui dizendo que o crescimento continuará, nem que o ano de 2013 e o próximo não será extremamente delicados, como muitos economistas sérios, da oposição à direita e à esquerda do governo vêm indicando. Nem mesmo quero discutir aqui os leilões em si.

Só estou espantado com a frivolidade incompetente e reducionista da nossa mídia, do bombardeio diário e onipresente de uma mesma informação. Não sei mais quantas vezes desliguei o rádio do carro esta semana. Depois do dramalhão midiático dos embargos infringentes, é a vez dos leilões. Qual será o próximo?