Arquitetura Mackenzie nota 2: a crônica de uma história mal contada
/Muitas alunas e muitos alunos me perguntam sobre a tão falada nota 2 no Enade, que a Faculdade de Arquitetura do Mackenzie tirou, e repercutida à exaustão pela mídia. A primeira coisa que tenho a dizer é que essa avaliação é, indiscutivelmente, irreal, profundamente injusta, e até irresponsável.
É claro que na hora de fazer coro à grande mídia, interessada em polêmicas, juntam-se vozes de outros cursos, felizes com a oportunidade de rebaixar um concorrente de peso, no universo do ensino superior privado que, infelizmente, tornou-se um grande mercado concorrencial, onde circula e se faz muito dinheiro. É uma pena.
Sou professor da USP e do próprio Mackenzie, e na minha vida de docente trabalhei ou pude conhecer um bom número de escolas de arquitetura do nosso país. Me sinto com certa legitimidade para fazer comparações, e para falar o que qualquer professor e/ou arquiteto-urbanista com uma postura séria e isenta reconhece: a FAU Mackenzie é um dos melhores cursos do país. Pode-se discordar ou concordar com sua linha de atuação, com o perfil de sua formação, mas isso são opiniões, que em nada interferem no fato de que é um curso de alto nível e muita seriedade.
Isso não diminui a qualidade de outros tantos, e é preciso que nós, professores e pesquisadores, não caiamos nessa armadilha de querer diminuir a qualidade das escolas nas quais não atuamos, como se isso "aumentasse" o prestígio da nossa. Com isso, só alimentamos o jogo concorrencial de interesses comerciais, que nada têm a ver com a produção de conhecimento e a qualidade do ensino, que dependem de um intercâmbio acadêmico de qualidade e de uma comunidade científica de alto nível. Para nós, bom seria se todas as universidades tivessem o melhor padrão possível, se todos os professores ganhassem como merecem, se todos pudessem fazer pesquisa, e assim por diante.
O que incomoda muito neste caso é a desinformação, estupidamente (ou movida por outros interesses?) repercutida pela mídia, captada pelo senso-comum e injustamente reproduzida por aí. Em 1994, o famoso caso da Escola-Base, em que seus diretores foram injustamente acusados de abuso sexual de alunos de 4 anos, envergonhou a imprensa brasileira. A repercussão caluniosa de desinformações que "vendiam jornal" acabou com a vida e o empreendimento do casal dono da escola que, muito mais tarde, ganhou na justiça a reparação da injustiça. O Brasil é campeão em alimentar esses casos.
Se uma escola do porte da FAU Mackenzie se vê envolvida numa manchete como sendo "uma das piores do país", uma mídia inteligente e compromissada com a verdade deveria antes de tudo averiguar o que há por trás dessa notícia. E a verificação é bastante simples.
Ninguém explicou exatamente, e essa é uma questão central, como funciona a tal avaliação. Se tivessem averiguado, veriam que o que está em jogo não é exatamente a faculdade envolvida, mas o sistema de avaliação mantido pelo MEC, que este episódio do Mackenzie demonstra ser quase irresponsável. Uma vez feita a avaliação inicial de uma escola, a qual reconhece o curso e o diploma que ele virá a oferecer, a avaliação continuada de uma universidade, feita em um intervalo de tempo de alguns anos, deveria ser feita a partir de três procedimentos complementares, tão importantes uns quanto os outros: 1) a visita de uma comissão avaliadora do MEC, 2) uma auto-avaliação por parte de docentes, estudantes e funcionários e, por fim, 3) uma prova para os alunos formandos, que possa comparar seus conhecimentos comparativamente a uma prova aplicada quando do seu ingresso na escola.
Não se imagina que seja possível avaliar uma instituição de ensino superior sem a complementariedade desses três aspectos. Pois bem, o que não se informou, nem na mídia, nem em lugar nenhum, é que a avaliação que deu nota 2 à FAU Mackenzie baseou-se APENAS NA NOTA DA PROVA DOS ALUNOS. Pois é. O MEC atualmente "avalia" as universidades dessa forma, mais simples e provavelmente mais barata. Aplica uma prova e isso basta, pela nota dos alunos, para avaliar toda uma instituição. Esqueceu-se dos dois outros procedimentos.
Os alunos formandos fizeram uma prova, ou melhor, quase não fizeram pois, em um protesto pouco organizado e mal justificado (na minha opinião), uma grande parte a boicotou. No fim da prova, um questionário pede aos alunos como eles avaliam uma série de itens, como por exemplo a qualidade dos equipamentos de apoio. Se os alunos resolverem reclamar ali de computadores que não funcionam, a nota sairá baixíssima. Mais adiante comentarei sobre as razões dessa avaliação dos alunos. O que importa aqui é que uma avaliação assim realizada é uma irresponsabilidade do MEC.
Isso porque não é aceitável que uma instituição de ensino superior tenha toda sua reputação depositada em uma única avaliação de seus estudantes. Não que sua avaliação não seja importante, longe disso. Menos ainda que eles não sejam capazes de ter uma opinião sobre a faculdade. Ainda assim, uma avaliação séria tem que se basear na conjunção dos três procedimentos acima citados. Senão, é falha. Se divulgada à exaustão como foi feito, torna-se uma injustiça contra a universidade visada. Ou um golpe concorrencial desonesto.
Uma prova única aplicada aos alunos formandos não pode servir de instrumento único de avaliação por vários motivos:
1) se houver, como ocorreu, qualquer tipo de protesto dos alunos, por meio de boicote, não necessariamente contra a universidade, mas por exemplo contra o sistema de avaliação em si, a universidade terá avaliação baixíssima, mesmo que seja a de Harvard.
2) As razões de um boicote podem ser diversas, de protesto ao sistema em si, mas também, é claro, contra a própria universidade. No caso do Mackenzie, pelos depoimentos de alunos, houve uma conjunção de fatos: descontentamento com a data da prova, que coincidiu com as entregas do Trabalho de Graduação (uma falha de cronograma que poderia ser evitada pela escola, certamente), protesto contra as condições às vezes precárias de alguns equipamentos didático (como os computadores e projetores), ou simplesmente um desinteresse para com a prova e um desconhecimento da sua importância para a reputação da escola e do diploma obtido.
A questão é que alunos de uma faculdade, por mais que tenham razão em expressar seu descontentamento em relação a alguns aspectos de sua faculdade, raramente podem ter uma visão ampla do que têm em sua escola em comparação com outras. É claro que os computadores e projetores no Mackenzie muitas vezes falham (em decorrência de uma gestão de informática centralizada para toda a universidade que não dá conta dos probleminhas recorrentes em cada sala de aula), mais ainda assim, posso dizer que poucas universidades conseguem oferecer, em cada uma de suas salas, um computador, projetor, microfone e alto-falantes como ocorre no Mackenzie.
Ao transportar para o âmbito de uma avaliação nacional descontentamentos internos, perde-se a noção comparativa, por mais que seja plenamente justificável a exigência de melhores equipamentos. Alunos que não conheçam a realidade de todo o universo das instituições superiores poderão, em um questionário de prova, reclamar da biblioteca do Mackenzie. Talvez não tenham ideia que se trata certamente de uma das maiores e melhores bibliotecas especializadas em arquitetura de que dispomos, atrás apenas da da FAU USP, e talvez em igualdade com a da FAU Santos e algumas outras poucas em universidades federais e confessionais.
Certamente não conhecem, também, as diferentes formas de contratação que uma universidade pode ter. Não sabem que muitas delas pagam seus professores apenas por hora aula, sobrecarregando-os com uma carga de aulas muito acima do aceitável, e que poucas, como o Mackenzie, contratam a maioria de seu quadro docente com contratos de docência e pesquisa, remunerando-o também com horas-pesquisa, aspecto fundamental para a produção de conhecimento de alto nível científico.
Não têm como saber que o Mackenzie tem um dos quadros docentes mais qualificados do país, com maioria de doutores, e a quase totalidade com mestrado ou especialização. Em uma visão talvez deturpada pela ansiedade em obter trabalho em grandes escritórios em um mercado por demais competitivo (ver artigo a respeito clicando aqui ). diminuíram, em declarações à imprensa, a importância desse fato, sem entender que um corpo docente o mais qualificado possível é sim a garantia de produção de conhecimento de qualidade.
Esse quadro docente é responsável por número significativo de publicações em revistas especializadas, de livros, e pela manutenção de grupos de pesquisa reconhecidos pela CAPES. Vale lembrar que o Mackenzie, com a PUC Campinas, são as únicas instituições privadas paulistas - e acho que talvez no país - a oferecer o doutoramento em seus cursos de Pós-Graduação.
Por mais que os estudantes possam reclamar dos laboratórios (pois sempre há o que se melhorar, na questão da disponibilidade, da funcionalidade e manutenção dos equipamentos, etc.), talvez não saibam que poucas escolas dispõem da quantidade de laboratórios que o Mackenzie dispõe, em um andar inteiro, tendo até túnel de vento e equipamento a laser para realização de maquetes.
Os alunos não têm como saber e nem têm a obrigação de saber esses aspectos. Podem sim reclamar na prova que lhes cabe do que quiserem, isso é muito bem-vindo e saudável. O problema está quando essa avaliação é a a única, e o julgamento do MEC sobre toda a instituição baseia-se nisso. Pois esses aspectos devem ser avaliados pelos outros procedimentos, que não existem. Se uma comissão do MEC for ao Mackenzie - o que ocorre somente quando a nota é 2, como foi o caso - irá imediatamente, com sua visão comparativa e conhecimento de todo o cenário do ensino superior de arquitetura, verificar todos os aspectos de excelência citados acima. Se uma auto-avaliação séria fosse de fato realizada, todas essas questões levantadas pelos alunos poderiam ser abordadas, ensejando ações de melhoria, sem por isso estar jogando abaixo toda a reputação da instituição.
3) Avaliar um curso com uma única prova de conhecimento dos seus alunos não garante em absoluto uma radiografia real da qualidade desse curso, pelo simples fato de que uma prova, sempre, terá um determinado perfil: o daqueles que a elaboraram. Ora, uma escola de arquitetura e urbanismo sempre terá um perfil diferente do de outra, as vezes mais voltado ao urbanismo, às vezes ao projeto de edificações, às vezes mais voltado para as exatas, outras vezes mais humanista. Dependendo do perfil de elaboração de uma prova, ela pode muito bem favorecer, mesmo sem querer, determinadas formações, em, detrimento de outras. Por isso a importância de se acoplar à essa modalidade os outros procedimentos de que falei.
4) O grande problema de uma avaliação assim estruturada em uma única prova está na enorme possibilidade de falsear os resultados, permitindo propaganda de "melhores cursos" de tudo quanto é coisa por instituições que muitas vezes pecam pela sua clara vocação mais comercial do que propriamente acadêmica. A prova é feita por alunos recém-formados na data de sua realização. Ouvi dizer que há instituições que "seguram" a formatura de parte de seus alunos por um mês ou dois, para garantir que só os melhores compareçam à dita prova. Ouvi dizer que há outras que instituíram verdadeiros "cursinhos" internos para preparar os alunos para a prova. Verdade? Não sei, mas isso sim é assunto para ser averiguado.
Está aqui dada minha opinião, solicitada por dezenas de alunos leitores deste blog. A avaliação do Mackenzie foi injusta, e não digo isso como professor da escola, mas como professor ou ex-professor de várias escolas. Como qualquer professor, tenho críticas e opiniões sobre o Mackenzie e a FAUUSP, escolas onde atuo. Isso é fundamental para que uma instituição melhore sempre. Por isso digo que ambas, desde que eu entrei, há uma década ou mais, evoluíram muito. Acredito que o MEC deva rever urgentemente sua forma de avaliação, restaurando os procedimentos tríplices, sem o que estará alimentando uma máquina de promover distorções, que acabará escamoteando os verdadeiros problemas - e ainda são muitos - que as universidades brasileira devem ainda vencer.