Você acha normal?

Você pode detestar o governo Dilma. Isso é democracia.

Você pode detestar a Dilma. É a democracia.

Você pode odiar o Lula. É a democracia.

Você pode odiar o PT e os petistas. Isso é democracia.

Você acredita piamente que um Temer, um FHC, um Serra, um Armínio Fraga, um….Cunha, irão acabar com a crise econômica e a corrupção de um dia para o outro e merecem estar no poder (certamente porque você não tem idade ou memória para lembrar o que esses senhores já mostraram saber fazer nesses quesitos, quando estavam no poder). É sua opinião, e ela é válida, na democracia.

E para isso, a democracia tem uma solução: as eleições. Guarde sua amargura por ter perdido nas últimas, pois em 2018 tem outra, e como é praxe na democracia, você poderá votar contra os que odeia e pelos que admira. E quem mais tiver votos ganhará. É assim que funciona. Os franceses na sua maioria odiaram o Sarkozy, os americanos lá pelas tantas odiaram o Bush, e uns e outros os puseram para fora nas eleições. É a democracia.

Você pode querer o fim de TODOS os corruptos e torcer para que a polícia os descubra e os prenda. A autonomia dada à PF e a consequente multiplicação de suas operações (de 46 nos anos FHC para 1273 nos anos Lula ) é a razão disso ter ocorrido. É um dos benefícios da democracia.

Mas...se você acha normal um juiz de primeira instância, em nome da democracia, começar a atuar de forma “inovadora” mandando prender pessoas antes de haver provas contra elas (jogando fora a presunção da inocência), para então extorquir delações em troca de sua liberdade;

Se você acha normal uma operação da PF tornar públicos – muitas vezes por ordem do mesmo juiz – ininterruptamente e durante meses, grampos e outras informações cirurgicamente filtradas e selecionadas para mirar um único ator político, abafando sistematicamente toda e qualquer menção a demais envolvidos que não sejam do campo político visado; se você acha que usar a justiça para esses fins é “parte do jogo da política”;

Se você acha normal esse juiz mandar coercitivamente para interrogatório, com grande estardalhaço público, uma das mais importantes lideranças do país que nunca apresentou obstáculos anteriores à ação da justiça, para, como se descobre posteriormente, fazer-lhe perguntas que somente repetiriam todos os interrogatórios anteriores já feitos, sem nenhuma novidade processual concreta e acusações no mínimo inconsistentes;

Se você acha normal uma mídia que, nas mãos de poucas famílias, reproduz e faz ecoar apenas algumas informações, distorcendo, editando gravações, lançando suspeitas sobre processos inconclusos e ainda sem provas concretas (lembre-se sempre da presunção da inocência);

Se você acha normal um juiz de primeira instância decidir por conta própria grampear a(o) presidente do país sem sequer pedir autorização legal ao STF, e depois mandar divulgar a gravação por uma questão “de interesse público” incendiando o país e causando perigosa instabilidade social, ainda que fique provado que a tal gravação tenha sido realizada após o pedido legal – feito pelo próprio juiz – de cancelamento das escutas aos envolvidos;

Se você acha normal esse mesmo juiz, dias depois, mandar colocar em sigilo outra informação, gravíssima, sobre corrupção, que desta vez envolve uma infinidade de políticos de TODOS os partidos (pelo jeito, neste caso, não é de interesse público);

Se você acha normal a mesma mídia que inundou o país com uma gravação ilegal não mostrar em seu telejornal essa nova informação, sob a alegação de que seria "muito longa" para ser lida ou até mesmo ilegal torná-la pública;

Se você acha normal um juiz da suprema corte do país, responsável por julgar os grampos à presidente do país e sua legalidade, sentar-se publicamente para jantar, poucas horas antes da sua decisão, justamente com os principais líderes que articulam a queda da presidenta,

Se você acha que não há neste caso perversa imiscuição entre política e justiça, se você acha normal esse juiz, por ter uma funcionária da sua empresa autora de um dos pedidos que ele deve julgar, não declarar-se impedido para tal (enquanto que outro juiz da mesma corte se declarou impedido por ser padrinho da filha de um dos advogados impetrantes do pedido que iria julgar);

Se você acha normal que se impeça a(o) presidente de seu país de nomear para ministro uma pessoa sem nenhuma condenação formal e apenas com processos investigatórios em curso, e acha normal essa medida enquanto que se finge ignorar que o presidente da Câmara de seu país é mantido no cargo com acusações e provas contra ele muito, mas muito mais concretas;

Se você não se anima em pensar um pouco para perceber que a acusação de “se proteger” no STF é inócuo, pois o STF é o órgão máximo da justiça e não permite – ao contrário da primeira instância – recursos de suas decisões; se você não tem memória para lembrar que, há bem pouco tempo, um deputado, líder de partido oposicionista, renunciou ao mandato justamente para fugir desse mesmo STF;

Se você acha normal, enfim, que um congresso vote o impeachment da(o) presidente baseado em um ato administrativo, das "pedaladas fiscais" comumente usado por vários Estados no país e até mesmo em outros países, como os EUA; se você acha normal que adiantar um empréstimo de seus próprios bancos estatais para permitir investimentos sociais é um ato digno de impeachment;

Se você acha normal que o impeachment tão desejado vá levar ao poder políticos muito mais envolvidos em acusações do que a(o) presidente que você sonha em tirar do poder;

Se você não percebe que tais arbitrariedades são hoje toleradas por você por serem “importantes para salvar o país”, mas que elas podem muito bem, uma vez aberta a porteira, serem praticadas indistintamente contra todos, inclusive contra você;

Se vc achou tudo isso normal, você certamente achará normal quando medidas mais drásticas forem tomadas para “colocar o país em ordem”, mesmo que, olhando bem, não haja nada de tão errado assim com o seu dia a dia e com seu país;

Você certamente achará normal quando espancarem cada vez mais gente nas ruas pelo fato de usarem roupas vermelhas, ou terem uma bicicleta vermelha, ou simplesmente terem “cara de alguma coisa”;

Você talvez diga “bem feito, afinal quem mandou ele se vestir assim, ele ter uma cara assim”;

Você achará normal que vendam nas avenidas bexigas infláveis com a figura de um militar batendo continência (quando os militares, diga-se, andam bem respeitosos à ordem democrática, ainda bem);

Você achará normal quando não houver mais regras a não ser aquelas ditadas por gente que autodenominou-se autorizado para tal, mesmo que nem você nem ninguém nunca tenham votado nele para dar-lhes tal legitimidade;

Você vai achar normal quando, assim como aconteceu na Alemanha um dia, ou no Chile noutro dia, entre tantos outros casos, vizinhos começarem a denunciar as pessoas a essas novas autoridades, por elas vestirem vermelho, por elas terem “cara de”, ou simplesmente por você não ir com a cara delas;

Se você achou tudo isso normal, e você está achando que está salvando o país, você tem que saber que está ajudando a destruir uma democracia jovem e duramente reconquistada;

Que, quando destruída, você não poderá mais odiar ninguém, nem votar para tirá-lo do poder. Poderá, apenas, calar-se.

Você tem que saber que estará condenando ao silêncio e à ignorância as gerações de suas filhas e de seus filhos, de seus netos e netas.

E eles, quando souberem que, um dia distante, lá atrás, você achou tudo aquilo normal, pode ter certeza, eles não vão te achar normal.