Angra3: o que virá em 2018? por Chico Whitaker

Artigo publicado na Folha de SP em 28/01/2018
Chico Whitaker

Cresce a pressão pela retomada da obra de Angra 3. Contratada em 1983, ela parou poucos anos depois. Reiniciada em 2010, foi novamente interrompida em 2016, por dificuldades financeiras e pela corrupção. Este problema deve ter sido considerado superado com a condenação, na Lavajato, do então Presidente da Eletronuclear. E para seu financiamento há ofertas do lobby nuclear que corteja, via russos e chineses, os países desavisados dos riscos dessa tecnologia. A Eletronuclear multiplica gestões em Brasília e promove Seminários para obter apoios: em 4 de dezembro em Angra dos Reis, em 18 de Dezembro em Resende.

Mais uma vez a obra se reinicia ignorando-se que o seu projeto é obsoleto quanto à segurança, como ocorreu em 2010? Nem o Ministério Publico vai intervir, como o fez, sem sucesso, em 2010?

Elaborado nos anos 70, na ditadura, evidentemente não podia levar em conta o acidente de tipo novo, até então considerado impossível, ocorrido no final dessa década, em 1979, em Three Miles Island, nos Estados Unidos. “Falhas múltiplas” levaram ao descontrole da temperatura e o reator fundiu.

Tais acidentes podem provocar uma catástrofe, como se verificou em 1986 na União Soviética. A usina de Chernobyl explodiu, espalhando partículas radioativas, com grandes territórios interditados por centenas de anos para a presença humana e milhares de pessoas evacuadas sem levar nada. A radioatividade provocou grande número de mortes, muitas gerações serão ainda afetadas. Uma nuvem radioativa cobriu toda a Europa e o Brasil importou leite radioativo da Irlanda...

A Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA editou normas para evitar tais acidentes ou pelo menos mitigar seus efeitos. O que se exigiria de nossas autoridades? Adequar o projeto de Angra 3 a essas normas. Foi o parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, que deveria licenciar a obra. Mas esse parecer foi simplesmente engavetado e o licenciamento concedido.

Um terceiro acidente desse tipo ocorreu em 2011, no Japão, em Fukushima, com a fusão de três reatores e consequências como as de Chernobyl. Nem assim aqui no Brasil foi revista a decisão de reiniciar a obra sem readequar o projeto.

Em Seminário Internacional em 2016, no Senado Federal, um assessor ministerial em segurança nuclear, da Alemanha, disse que a usina de referencia de Angra 3 é a similar de Grafenrheinfeld, em seu país, que foi uma das primeiras desativadas quando seu governo abandonou a opção nuclear. Segundo ele, hoje, na Alemanha, uma usina como Angra 3 nunca seria licenciada, por uma questão de segurança.

Há relação entre a grave irresponsabilidade da CNEN e a corrupção? A Andrade Gutierrez, construtora contratada, dava propinas ao Presidente da Eletronuclear para obter aditivos ao contrato de 1983. Revisto o projeto ela perderia esse contrato. O esforço de reconstrução da imagem desse Presidente – um herói nacional vítima de interesses estrangeiros! - seria uma cortina de fumaça?

Longíssimo de Chernobyl e Fukushima, no Brasil não podemos avaliar as consequências desses acidentes. Não surpreenderá que no Plano Nacional do setor nuclear, em elaboração, Angra 3 ganhe prioridade, com o mesmo projeto. Na infelicidade de algo ocorrer em Angra 3, as vítimas serão os moradores da região e também os do Rio ou de São Paulo, segundo queiram os ventos... Que em 2018 não permaneçamos silenciosos! É uma exigência de cuidado com a vida humana.

Chico Whitaker  (22/01/2018)

 

Resposta à uma pergunta de uma leitora:

Obrigado, Maria Clara, pelos seus comentários. 
Vou mandá-los para gente da CNEN que entende muito mais do que eu desses assuntos. Vai ser muito bom se pudermos ampliar essa discussão. 

Mas para inicio de conversa posso lhe dizer que isso dos 5 km é um grande equivoco que querem nos impor. Eles não levam em conta que "acidentes severos" são muito mais violentos que os habituais. Eu acho que é nisso que reside o problema para esse pessoal que passa o tipo de informação que lhe chega. Eles não se deram conta disso. 

A fusão do reator e a explosão que dele decorre (só deu para segurar a explosão em Three Miles Island, talvez porque fundiu só 40% do reator) corresponde a um tipo de acidente que aconteceu pela primeira vez nessa usina, e que até então era considerado impossível. Essa certeza do "impossível" é a mesma certeza que transparece no que lhe dizem os que acham que tudo está previsto, até com margem de erro. Eles raciocinam com acidentes "normais" (são tantos, de que pouco de fala, que parecem "normais"...). Não é de vazamento que se está falando. É de explosões. 

Elas levam a uma disseminação muito maior de partículas radioativas. Em Fukushima começaram com 10 km de evacuação e foram obrigados a evacuar até 30 km. E há uma pequena cidade (Litate, que tinha no momento do acidente, quase 7.000 habitantes) a 50 km da usina, que é hoje objeto de filmes sobre as consequências do desastre. O governo americano mandou todos os seus funcionários que estavam a menos de 80 km fugirem de onde estavam. E  a nuvem radioativa que saiu de Chernobyl cobriu toda a Europa... Veja o raio do território que foi interditado para a presença humana em Chernobyl: 30 km... Dizer que a cidade de Angra está a salvo é de uma imprudência que beira a falta de respeito... E dizer que a Serra do Mar segurará todas as partículas é primário... E quem estiver morando em suas encostas? Em Fukushima o primeiro ministro no momento do acidente lutou para que não fosse obrigado a evacuar Tóquio, com seus milhões de habitantes... O que fazer se o vento levar partículas radioativas para o Rio ou para São Paulo? 

Há muita informação a checar. Imagine que a espessura de concreto do edifício de contenção de Angra 3 (suponho que de Angra 2 também, porque foi construída com o mesmo projeto...) é de 60 cm, quando a norma adotada agora é de 150 cm... Dizem que é porque na Europa é preciso segurar quedas de avião sobre a usina (terrorismo). E aqui não pode haver problemas desse tipo, algum dia? Mas seria só por isso? Não seria também para aguentar explosões de dentro? Chernobyl não tinha essa maior espessura... Nem Fukushima...

A questão de prever todas as falhas possíveis, inclusive humanas, é de um irrealismo total. Nos "acidentes severos" o que ocorre é o que chamam de "falhas múltiplas": um conjunto de falhas diferentes que se encadeiam e tornam a situação incontrolável... E tudo se passa, nesse caso, muito rapidamente. Minutos ou mesmo segundos. Darão um aviso de evacuação antes que o acidente ocorra? O aviso será: corram, a usina vai explodir dentro de cinco minutos e meio... Dá para acreditar que pensem seriamente assim?  Com explosões o aviso virá sempre depois... Para muitos tarde demais, por mais que corram... 

Você leu o artigo da Folha sobre mansões e iates de Angra, publicado no mesmo numero de meu artigo? Uma das coisas que os ricões dizem é que é preciso construir um aeroporto porque sair de Angra por terra é muito incomodo, a estrada tende a ficar muito congestionada... Estão pensando na comodidade... E se pensarem numa saída às pressas, correndo, sem que se possa levar nada, só com a roupa do corpo? Imagine que a Rio Santos, com todos os seus desmoronamentos, é a rota de fuga principal... Tente saber como saíram e o que deixaram para trás os 49.360 habitantes de Prypiat, perto da usina de Chernobyl.  Segundo o Google, hoje a entrada não  autorizada nessa cidade, que virou uma cidade fantasma, com seus grandes prédios, é punível com a pena de prisão... 

Desculpe, Maria Clara, essa enxurrada de dados. E haveria muito mais... Mas não é para criar pânico, para os queridos moradores de Angra e ainda menos para os queridos membros da SAPÊ. O que queremos é um pouco de bom senso. Ou como disse alguém que comentou meu artigo no facebook: sensatez! Deus queira, é o que todos desejamos - para não dizer suplicamos - que não venha a acontecer nenhum "acidente severo" em Angra 3 e nas usinas 1 e 2.  

Porque licenciaram Angra 3 sem revisar o projeto em 2010? As novas normas da AIEA só procuram evitar tais tipos de acidentes ou pelos menos minimizar seus efeitos...Porque continuam sem querer revisá-lo antes de retomar a obra? Esta é a grande questão que eu me coloco. Acho que sei a resposta. Mas fica por conta de quem se interessar pelo assunto dizer o que acha... 

Enquanto isso façamos todo o barulho possivel para que D.Raquel Dodge deixe de lado por uns momentos os assuntos da Lava Jato e acorde! Está nas mãos do MP parar o que pode se transformar um dia numa máquina assassina.

Abraços do Chico Whitaker