Bicicletas públicas para São Paulo
/Dentro do louvável esforço feito por Fernando Haddad e sua equipe para, enfim, sair da camisa de força do automóvel e alterar o modal dominante nos transportes da cidade para meios coletivos, públicos e não poluentes, a bicicleta começa a ganhar seu merecido espaço.
E, como foi o caso dos corredores de ônibus, sofre a imediata reação de parte dos 30% de usuários de carro, representantes do "espírito paulistano", que não se conformam com a ideia de que uma cidade sem - ou com menos - carros não só pode existir, como será substancialmente melhor para todos.
A bicicleta não substitui nem o carro, nem o transporte público de massa. Ela é um complemento. E um bom sistema de mobilidade se baseia em modais complementares e muito variados.
É claro que os mais jovens e fanáticos "bikeros" defendem que a bicicleta pode sim ser utilizada como único meio de transporte, por toda a cidade. Nada mais lindo do que a juventude. Para os que passam de certa idade, porém, a perspectiva de sair de Osasco e ir até Santana, por exemplo, envolve a possibilidade, senão de um ataque cardíaco, de dores lombares por um bom tempo. Mas, mesmo que usada em menor intensidade, jovens e velhos se beneficiam desse exercício saudável e útil que é o uso da bicicleta.
Para que o sistema funcione, o primeiro passo é mesmo o de encher a cidade de ciclovias, como está sendo feito, mesmo que os motoristas xinguem. Há outras ações, adotadas em cidades como Paris, entre outras, mas que em São Paulo devem ser bem estudadas, dada a violência do transporte motorizado: permissão de uso de ruas de bairro na contramão, compartilhamento das faixas de ônibus (acho que isso em SP, só mesmo em 2289).
O segundo passo é tornar esse sistema de ciclovias complementar aos outros. Se alguém não aguentar atravessar a cidade, deve poder embarcar sua bicicleta em alguns vagões do metrô ou em certos ônibus, ou mesmo deixá-la em bicicletários nas estações, recuperando-a na sua volta.
As ciclovias devem ter um sentido estrutural de maior escala, mas a organização do trânsito no bairro deve também passar por uma revisão que favoreça a bicicleta. Em cidades gigantes como São Paulo, o uso local da bicicleta para ir à padaria, à farmácia ou visitar vizinhos é uma maneira certa de tornar o bairro mais amigável e menos colapsado pelo carro.
Porém, há uma coisa que ainda está MUITO MAL organizada em São Paulo, e que é essencial para dar suporte ao esforço da prefeitura. A implantação de um VERDADEIRO SISTEMA, ÚNICO, DE BICICLETAS PÚBLICAS. Isso é urgente e necessário.
As bicicletas públicas são importantes porque, em primeiro lugar, desobrigam as pessoas a ter sua própria bicicleta, podendo alugar uma da prefeitura na hora que quiserem. Segundo, porque a bicicleta pública é o maior impulsionador do uso generalizado da bicicleta nas cidades. Permite que se use como transporte complementar, ao sair do metrô, do ônibus, ou até mesmo do estacionamento do carro, de maneira fácil e prática: toma-se a bike emprestada num ponto de partida, e devolve-se no lugar de chegada. Sem maiores preocupações. Essa ideia simples revolucionou o uso das bicicletas nas grandes cidades europeias.
Em Paris, por exemplo, para talvez uns 80% dos trajetos (a cidade intra-muros é pequena), é mais rápido usar a bicicleta pública do que até mesmo o metrô (quando há mais de uma conexão a fazer). Além de ser mais agradável e fazer bem à saúde.
Pois bem, aqui em São Paulo, pra variar, o dinheiro e a liberalidade para com o mercado falaram mais alto. E nas gestões passadas deixaram que empresas diversas implementassem, de forma concorrencial, seus próprios sistemas.
Ou seja, há bicicletas públicas onde as empresas querem e não na cidade toda, respondendo a um planejamento geral para todo o território. Resultado, se você quiser usar bicicletas laranjas (Itau) ou vermelhas (Bradesco - há uma terceira cia, azul, mas não lembro qual é), tomara que seja razoavelmente rico para morar no setor sudoeste. Pois fora dele, não há, ou quase.
Justiça seja feita ao sistema BikeSampa, do Itau, que além do quadrante sudoeste começou a implantar um novo núcleo na Zona Leste. O caminho é esse, mas ainda estamos longe de ver uma cobertura completa e generalizada em TODA a cidade. Se a prefeitura quiser renegociar com o Itau, que o faça, pode ser uma alternativa.
Pior, você pega uma bicicleta Itaú e só pode devolver nos pontos do Itaú. Se optar pelo Bradesco, a mesma coisa. Há casos de pontos de cada um a poucos metros uns dos outros. O uso da bike tornou-se uma opção de mercado. E só pode usar o sistema que tiver escolhido, pois não são complementares. Além disso, deve baixar um software para cada sistema, registrar-se em cada um deles, etc.
Um sistema de bicicleta pública eficaz DEVE SER ÚNICO para toda a cidade, e gerenciado como tal. Deve cobrir TODA a cidade. Não interessa se quero andar pelos jardins ou se vou para o Itaim Paulista, devo poder entregar a bicicleta tanto num lugar como no outro.
Isso implica um complexo e caro sistema de gestão, que vai muito além de colocar umas bicicletas com o nome de banco e providenciar um software (ruim) para os usuários. Implica em manter um sistema de manutenção, de baldeação diuturna das bicicletas pelos diferentes pontos para mantê-los sempre operacionais, implica em cálculos precisos sobre os riscos com perdas e reposição (pois sempre há depredações e roubos), implica em criar um software único de amplo acesso por internet e celular, em integrar o sistema de cobrança da bicicleta ao bilhete único de transporte, e assim por diante.
A prefeitura precisa agora, com urgência, LANÇAR UMA VERDADEIRA LICITAÇÃO, para empresas que queiram assumir a operação desse sistema único. Pode até ser um banco, ou dois deles em conjunto, por que não (é ironia). Mas o sistema tem que ser único. E oferecer umas cem vezes mais bicicletas do que as disponibilizadas hoje em dia.
Coisa grande. Mas que, daí sim, dará certo. Ficar achando que a replicação de contratos publicitários que se sobrepõem entre si e só estão nos bairros nobres é dar á cidade um sistema de transporte de bicicleta complementar é pura enganação. Tenho certeza que essa não é a intenção da atual administração.