Justiça "justa" para Alckmin, convicções para Lula: os dois pesos de um judiciário golpista.
/Reinaldo Azevedo, o jornalista-estrela da direita brasileira, provou no episódio Lula ter alguma coerência. Desde sempre vem apontando para os abusos à Constituição praticados por Moro e a "República de Curitiba". Contra as prisões preventivas que viraram definitivas (e que Gilmar Mendes chamou corretamente esta semana de tortura), contra o método de criar provas frágeis ou inexistentes a partir apenas de delações, contra a prisão em Segunda Instância sem ter direito a todos os recursos até o Trânsito em Julgado. Surpreendentemente, não mudou de posição quando Moro mandou prender Lula, insistindo que se tratava de perseguição política e de prisão sem provas. Se isso acontece uma vez com Lula ou quem quer que seja, acontecerá com qualquer um. Na prática, a justiça brasileira pode mandar prender sem provas, já no momento da prisão preventiva, e isso é muito grave. Estamos de acordo.
O ex-Presidente da OAB Cezar Britto, escreveu recentemente um outro artigo interessante para este debate ("E pra não dizer que não falei de Lula"), em que evita debruçar-se sobre o caso específico de Lula, para em vez disso apontar como, ao mandar prender na Segunda Instância e ignorar a Constituição, o sistema judicial brasileiro está aperfeiçoando uma máquina trituradora que mantém 221.054 mil pessoas presas antes de formada em definitivo a culpa e sem terem tido o pleno direito constitucional à sua defesa. Isso é muito grave também.
Esta semana ficamos todos ainda mais espantados com a desfaçatez com que, aparentemente, a justiça favoreceu os tucanos e seu candidato, Geraldo Alckmin, ao mandar seu processo decorrente de uma delação da Lava-Jato para a Justiça Eleitoral, onde as penas são mais brandas e o julgamento lento, e não para a Justiça Criminal, como aconteceu com Lula.
Reinaldo Azevedo, sempre defendendo uma justiça que funcione segundo suas prerrogativas constitucionais, saiu em defesa da decisão, com argumentos aparentemente corretos. Eis a explicação: Alckmin foi citado na Lava-Jato por ter supostamente recebido cerca de R$ 10 mi de caixa 2, da Oderbrecht, para sua campanha eleitoral. Tendo foro privilegiado por ser Governador, seu caso foi mandado para o STJ, foro competente para julgá-lo. Lá, abriram-se investigações que, segundo o Presidente do STJ, não conseguiram comprovar que Alckmin tenha dado alguma contrapartida a essa doação (por exemplo, favorecido a construtora em algum contrato, etc.). Sendo assim, não se comprovou um crime de sua parte (que seria de corrupção passiva), mas apenas uma doação ilegal por parte da Oderbrecht. Quando Alckmin renunciou ao governo para ser candidato à presidência, perdeu o foro do STJ, e este teve que remeter o processo à justiça comum. Como não havia provas de crime, não o remeteu à justiça criminal, mas à justiça eleitoral, para tratar do financiamento ilegal. Está, juridicamente correto.
É claro que podemos nos perguntar se essa "investigação" do STJ foi assim tão eficaz, sabendo-se de tantas acusações no Estado de São Paulo, com o Metrô e a Alstom, em cifras que passam do bilhão, no Rodoanel (pelo qual um assessor do ex-Governador está preso), etc. Eu faço parte desses céticos. Ainda assim, do ponto de vista regimental, se o STJ não conseguiu provas, não enviou para a justiça criminal. Como disse o Azevedo em seu programa, "pelo menos isso mostra que ainda temos no Brasil uma justiça que não condena sem provas".
Pois aí é que está a questão. O argumento de Azevedo é correto, mas ao fazer somente a leitura técnica, esquece-se da política. E não percebe que, neste caso, o que acusa escândalo não é o que a justiça deixou de fazer com Alckmin, mas o fato de que o que ela deixou de fazer com ele escancara o que foi feito com Lula. Por que, para Alckmin, a partir de uma delação, não foram buscar e construir as provas no forceps, como fizeram com Lula?
Ou seja, se estamos aliviados que a justiça ainda é capaz de evitar condenação sem provas, isso torna ainda mais escandaloso o fato de que, no caso de Lula, provas foram meticulosamente criadas a partir de uma delação frágil. O próprio juiz-justiceiro curitibano deixou entender mais de uma vez que não as tinha, e menos ainda as provas de que um ridículo triplex de menos de 300 m² pudesse ser instrumento de lavagem de dinheiro (uma das acusações contra Lula) de corrupção ligada a uma estatal de petróleo do porte da Petrobrás. O que valeu, sabemos todos, é a "convicção" da culpabilidade de Lula, por mais absurda e inverossímil que seja a acusação.
O que causa escândalo, portanto, não é o fato restrito da justiça não ter jogado Alckmin aos leões da justiça criminal da lava-jato, como me parece que entendeu Azevedo, mas o de que o argumento da CONVICÇÃO como prova suficiente para mandar para a prisão é uma exclusividade da justiça contra Lula e não existe em outros casos judiciais, por "coincidência" aqueles que favorecem tucanos. O que é escandaloso é que alguns dias depois de toda a grande mídia brasileira (à exceção de Azevedo) ter vomitado horas a fio a opinião única de que sim, pode-se encarcerar uma pessoa antes de exercido o pleno direito à defesa a partir de convicções e provas frágeis em um processo leviano, a mesma imprensa não reage ao menos com alguma interrogação sobre o fato da justiça voltar a ser exemplarmente competente em para não cometer o "grave" engano de abrir um processo "injusto" contra o ex-governador, porque sem provas, baseado apenas em convicções. Longe deles tamanha injustiça!
Ao "defender" a decisão "justa" do STJ do ponto de vista do procedimento jurídico, Azevedo não está percebendo que o fato, politicamente, equivale a uma nova martelada no prego do golpe jurídico que o país vem sofrendo. O de rapidamente "voltar ao normal", que se evidencia para alguns a perseguição a Lula, no geral faz aquele episódio, escandaloso, sair do foco. Talvez sem querer (o que eu duvido), Azevedo ajuda na blindagem ao tucano.
Por isso é importante gritar sim, e muito, contra a decisão do STJ favorecendo Alckmin. Não pelo que ela favoreceu o ex-governador, mas pelo que ela evidencia: que há uma manobra em curso para perseguir Lula, que o judiciário sabe ser inconstitucional, mas cuja ilegalidade vai deixar que seja escamoteada pela ideia de que se trata apenas de um "fla-flu" político. Enquanto isso, o judiciário se apressa em "voltar ao normal", ainda mais, ora vejam, favorecendo o tucanato.
Poderão argumentar que essa é uma teoria conspiratória muito sofisticada. Que os foros na justiça mantém certa autonomia, que não é porque Moro fez de Curitiba um antro a inconstitucionalidade que toda a justiça também o é. Sorte que ainda não. Esse é o discurso que se espera, que serve aos propósitos don golpe. E quando observamos para trás a meticulosidade com que cada ação vem sendo realizada, dos detalhes do impeachment às prisões espetaculares e sem razão de Reitores de federais (para mostrar que "tudo que Lula fez era corrupção, inclusive a revolução nas universidades), das decisões tresloucadas de Moro em horas estratégicas (como o grampo ilegal de Dilma que ele também ilegalmente divulgou) e a maneira como tudo isso ficou impune, percebemos que teorias da conspiração são cada vez menos teorias e cada vez mais a dura realidade. Não, não acho que o alivio a Alckmin, dentro de grande correção jurídica, seja mera coincidência.
Pessoalmente, não quero que se acuse o Alckmin sem provas, e nem ninguém. Mas que isso sirva então para, imediatamente, desacreditar e provocar a revisão de processos que seguiram baseados em convicções. Não é mais uma questão apenas técnico-jurídica. É um grande, enorme escândalo político.