A arriscada e mesquinha estratégia da morte
/As eleições mostraram que Bolsonaro, ou talvez até mais, seus filhos, entendem de estratégia eleitoral picareta.
Não é por menos, eles são fruto da politicagem brasileira mais rasteira, aquela que há décadas elege políticos sem nenhum compromisso com algum ideal outro que o de ganhar vantagens pessoais. Clientelismo, nepotismo, aliança com bandidagem, vale tudo. São especialistas em tirar vantagens de tudo sem fazer nada, são aquele baixo clero de que tento se fala.
Os filhos babacas trouxeram para o pai o know-how de compreender as massas eleitorais manipuláveis nos tempos de hoje, e os discursos adequados a elas: evangélicos, classe média emburrecida, novos ricos, gente que gosta de qualquer argumento simplista, até mesmo a defesa da ditadura ou a crença em fake-news, desde que no fundo seja para salvar o seu. Gente medíocre, inocentemente ignorante, mas que têm o mesmo apreço pelo individualismo acima de qualquer preocupação coletiva.
Os filhos trogloditas levaram para o pai as novas tecnologias da guerra eleitoral e, convenhamos, deixaram os velhos políticos no chinelo. Levaram as eleições.
Agora, a estratégia dos bossais é, mais uma vez, inteligente, dentro desse espectro de mesquinhez e individualismo que não caracteriza o "homem público" que estranhamente alguns acharam que poderia existir, mas sim o picareta político que sempre foi. Que vidas alheias que nada, ali o que interessa é a visão curta da contagem eleitoral, sempre. Da eleição de 2020. Mesmo que não sobre até lá um país pra governar. Eles não governam mesmo, então....
Nesse sentido, o caminho traçado pelos filhos é o seguinte: a pandemia vai detonar a economia, isso é inevitável. E sempre, a culpa pela crise econômica cai no colo eleitoral do presidente, isso é sabido. Por outro lado, vai ter muita gente morrendo, mas isso acontece em todos os países, na Itália, na Espanha, nos EUA. Por mais que morra gente, não será diferente de lá, e a desculpa já está pronta: é impossível impedir, não é uma incompetência nossa, é a realidade dos fatos. Além do mais, se as mortes de fato se "deslocarem" para as camadas mais pobres, seu impacto eleitoral será menor. Afinal, desde quando no Brasil interessa a opinião, a indignação dos mais pobres? Alguém se lembra dos mortos em alguma das centenas de soterramentos que vemos ano após ano? E dos atingidos em Mariana?
Então, a estratégia ditada ao pai é a seguinte: "a pandemia é coisa que nem o Trump enfrenta, e a crise econômica que virá vai acontecer, você tem que deixar claro desde já que é porque não deixaram você trabalhar, forçaram a quarentena com o intuito de te quebrar. Coisa dos comunistas, da Globo, de todos os inimigos da nação e do mito".
Evidentemente, só cabeças muito doentias podem pensar nisso tudo. Mas estamos falando, lembrem-se, do cara que faz criancinha imitar revólver, do que faz pose de arma na frente do monumento da ONU aos direitos humanos, de gente que grita "viva o Ustra" e que tem "amigos" milicianos. Em suma, gente muito doentia .
O problema é que o discurso pega. Não nos grupos sociais mais informados ou mais sensatos. Nem mesmo na Globo ou no Estadão ou Folha. Ele pega nas massas que interessam eleitoralmente ao clã. Que acham isso bonito de ver, que quando mais essa mídia o ataca, mais acham que fica provada a conspiração contra o mito. Os robôs trabalham a todo vapor. Os soldados humanos imbecis, como o decrépito da Havan, o louco do Malafaia ou o nojento do Datena, fazem sua parte.
Não achem portanto tão estranho ou inacreditável o comportamento do presidente. Desde as eleições é assim. Mas lá, como se tratava de mamadeira de piroca contra um petista, poucos deram bola. Agora que se trata da vida de cada um, o espanto tomou outra dimensão. Mas convenhamos, não há nada de realmente novo no ar.
Só há um erro, provável, nessa tática. O terrível é que o erro ocorrerá em razão de algo muito trágico. O erro está que a cegueira do raciocinio curto dos rapazes 1, 2 e 3 não os deixa perceber a dimensão real da tragédia que já começou. Estão cegados em seus joguinhos de conta eleitoral. Como criança cabeça-dura que faz birra e não ouve os conselhos dos pais. Se afundam no seu joguinho, levando o pai a sair, tossir nas pessoas, abraçar....sempre com o discurso de "salvar" uma economia que, já sabem, irá desmoronar, mas não terá sido por sua culpa.
Incapazes de ouvir as vozes da razão, que vêm da ciência, da OMS, da mídia, dos governadores e até dos militares, estão fazendo a terrível aposta de brincar com a morte. Seguindo o exemplo do mito, uma legião de inocentes ou de babacas toscos continua indo às ruas para além da necessidade. Para rolês de periferia ou para ver o por do sol em praças chiques, não importa. A imbecilidade é a mesma.
Não estão vendo que em um mês e pouco duas mil pessoas (por baixo), muito além da contagem oficial, já morreram. Como se uns dez aviões tivessem caído de uma hora para outra outra no Brasil. Mas os caras ainda não perceberam.
Agora o vírus começou a chegar nas periferias de São Paulo, do Rio. Nos cortiços. Se preparem, a nota vem, salgada, duas a três semanas depois. Exatamente no fim do mês ou começo de maio, quando o próprio Mandetta já avisou que a coisa vai pegar.
E daí, o erro vai estourar em suas caras, porque o colapso será total. E os mortos amontoados em valas comuns, como em NY ou na Itália, deixarão os bebezões frente à sua terrível responsabilidade. A de, no mínimo, ter deixado acontecer, senão incentivado, um genocídio. Não haverá mais Bolsonaros.
Triste país em que a solução pra se acabar com um genocida é a própria morte do país.