Reflexões sobre a invasão do Capitólio

Há muita coisa em comum, infelizmente, entre eles e nós.

A diferença é que aqui no Brasil, a extrema direita antidemocrática chegou ao poder "de surpresa", dando um drible na direita aristocrática tradicional. Está certo, ela ganhou força graças a alguns personagens dessa aristocracia sem caráter, como Serra, que no desespero da derrota para Dilma abriu as porteiras da sua campanha em 2010, para movimentos protofascistas, e Skaff, que apoiou os saudosos da ditadura por meses em frente à FIESP ao longo do governo Dilma.

Mas nem eles esperavam que Bolsonaro e filhos - que surgiram das sombras da turma que apareceu nos atos pró-serra e nas manifestações contra a Dilma, dessem um "by pass" nas eleições e passassem nas urnas seus candidatos, Alckmin, Meirelles e Amoedo, ou mesmo o candidato "palatável" para eles eventualmente perderem, o Ciro. Não era esse o plano do golpe de 2016, que havia se iniciado por iniciativa do Aécio, com apoio do mesmo Serra, FHC e Cia, e que pretendia minar a Dilma para retomarem o poder. Morreram na praia pela dimensão que o movimento fascista tomou, a utilização eficiente e esperta das mídias sociais e das fake news, com assessoria aliás da turma do Trump.

O golpe de 2016, entretanto, já incorporava, dois anos dessa eleição, os ingredientes da deterioração democrática: o impeachment forjado em cima de um crime inexistente, a perseguição ilegal de Moro contra a nomeação de Lula como ministro e a divulgação da gravação ilegal da conversa com Dilma, eram indícios de que, se preciso, o plano em curso, que deveria dar o poder de volta à elite aristocrática mas no fim o entregou a Bolsonaro e a extrema direita, sacrificaria a democracia.

Nos EUA foi um pouco diferente, porque queiramos ou não, Trump chegou ao poder de forma convencional e esperada. Um pouco como Dória fez com o PSDB em São Paulo (lembrem-se da prévia com cadeiradas), ele ganhou na marra a indicação republicana e levou as eleições contra Hilary Clinton, a candidata "palatável" (embora, sejamos justos com Ciro, bem mais à direita do que ele).

Mas, no fim, ambos, Trump e Bolsonaro, usam os dos mesmos procedimentos para, no dia a dia de seus governos, continuar minando a democracia. Insuflam permanentemente o ódio, atiçam a barbárie, ignoram mortes, mostram o que há de pior no ser humano.

Hoje Trump tentou dar mais um passo além das regras do jogo. Incentivou um ataque ao Capitólio, o símbolo máximo da democracia norte-americana, para muitos da democracia no mundo (para aqueles que ainda acham que aquilo é uma democracia). Inacreditavelmente, foi à TV pedir para que seus apoiadores voltem para casa ao mesmo tempo que lhes dava razão e reafirmava que a eleição foi fraudada. Bota lenha no fogo mesmo nesse momento crítico. No meu entender, isso daria há algum tempo atrás prisão imediata. Mesmo hoje, a tentativa de insuflar um golpe ficou evidente (era o título da cobertura da CNN: "manifestantes insuflados por Trump invadem o Capitólio") e deveria levar à prisão, Mas hoje, as coisas lá saíram um pouco do controle, e não se sabe mais se isso seria possível sem provocar um levante, já que Trump, afinal, tem milhões de apoiadores.

Como aqui, a doença Trump é uma doença de metade da sociedade. Mas se não fizerem nada, a partir de hoje qualquer um poderá tentar dar golpe. Exatamente como aqui, desde que se permitiu criar um impeachment do nada.

As próximas horas serão cruciais para os EUA e, obviamente, para o mundo. Pois ou Biden consegue segurar essa onda e fazer a "normalidade democrática e republicana" (por mais deturpada e frágil que ela seja no regime do lobbyismo capitalista que os EUA se tornou), ou este é o começo do desmoronamento do império americano. O que virá depois? Ninguém sabe. Mas Russos e Chineses devem estar assistindo atentamente.

Atualizando: no Capitólio a coisa está se acalmando, e o discurso de Biden caiu bem, enquanto que o de Trump foi censurado até pelo Twitter pois falava em fraude. Trump quer empoderar uma base que o sustente até as próximas eleições, embora pareça cada vez mais que mesmo no partido Republicano ele não conseguiria mais apoio, isso se ele não sucumbir aos processos que o esperam. Mas, haverá novos protestos, até a posse de Biden? Ela será possível?

Mas esses momentos serão cruciais para nós aqui também. Pois se Trump tiver sucesso na sua iniciativa......podem ter certeza que Bolsonaro aqui ousará fazer igual, se eventualmente não ganhar em 2022 ou se for afastado antes, o que está começando ase tornar cada vez mais possível (com a última confissão de não poder fazer nada frente a um país quebrado e à segunda leva que vai nos levar talvez aos 300 mil mortos?). Ou pior.

O momento é tenso, pra dizer o mínimo.