OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade?

Com Erminia Maricato 

                   As constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para                        serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias são fenômenos correntes em toda a história da América do Sul  (Holanda, 1971:137)

                  

O  instrumento  da  Operação  Urbana  Consorciada  não  é  novo,  e  já  apareceu  –  sob configurações e nomenclaturas diversas e nem sempre idênticas às regulamentadas agora no Estatuto da Cidade – em Planos Diretores de muitas cidades brasileiras.

Uma mostra da maleabilidade do instrumento para responder a interesses muito diversos está  no  fato  de  ele  ter  sido  regularmente  defendido  e  em  alguns  casos  implementado  por administrações  paulistanas  ideologicamente  e  eticamente  tão  diferentes  quanto  as  de  Mário Covas, Jânio Quadros, Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta e Marta Suplicy. Nesse período, uma dezena de operações chegaram a ser propostas, mas nem todas concretizadas.

Muito da polêmica que gira em torno das operações urbanas se deve à maneira como elas foram efetivadas em São Paulo, município que levou essa experiência mais longe, alimentando lucros  do  capital  imobiliário  de  ponta  e  ignorando,  ou  melhor,  reproduzindo  e  agravando problemas sociais. Queremos verificar aqui se essas experiências definem um destino fatal a esse instrumento tão prestigiado pelos urbanistas, tanto os  que compõem as equipes de planejamento nos municípios brasileiros quanto os que são contratados para as consultorias. As operações urbanas podem ir além de um conjunto de lucrativas operações imobiliárias?. Elas poderão ser utilizadas  de fato para engendrar  “melhorias  sociais”  e  “valorização  ambiental”  como  reza  o Estatuto da cidade? Elas constituem essa excepcional fonte de recursos para um poder público falido como apregoam alguns? As virtudes e as mazelas atribuídas a esse instrumento urbanístico dependem de sua formulação técnica?

Tentaremos verificar as inovações contidas nesse instrumento, analisando o porquê da sua grande aceitação no meio  urbanístico. Em seguida iremos examinar sua aplicação perversa em relação ao interesse público e social, à luz dos exemplos de São Paulo. Outras experiências não se  mostraram  tão  negativas  mas  o  tempo  de  vigência  das  mesmas,  sua  abrangência, freqüentemente pontual,  e  o  número  diminuto  dificulta  a  análise.  Desde  já,  o  que  deve  ser ressaltado é o fato de que, assim como todos os outros instrumentos propostos no Estatuto da Cidade,  as  Operações  Urbanas  podem  ser  boas  ou  ruins,  sob  uma  ótica  progressista, dependendo  da  maneira  como  forem  incluídas  e  detalhadas  nos  Planos  Diretores.  A  tese defendida aqui é que não está na tecnicalidade do instrumento a fonte do seu uso fortemente regressivo, contrário ao interesse social. Ele não tem a propriedade, por si só, de ser nocivo ou benéfico na construção da cidade democrática e includente. A questão está em sua formulação e implementação no nível municipal. Dependendo delas, dificilmente sua aplicação deixará de ser anti-social. Tem portanto algo a ver com a técnica, mas é antes de mais nada uma questão política,  uma  vez  que  seu  efeito  progressista  depende  da  capacidade  de  mobilização  da sociedade civil para garantir que seja regulamentado de forma a assegurar uma implementação segundo os interesses da maioria e não apenas das classes dominantes, e que permita o controle efetivo do Estado e a possibilidade de controle social na sua aplicação.

A  análise  ou  a  avaliação  de  qualquer  instrumento  legal,  especialmente  aqueles  que pretendem regulamentar as cidades brasileiras exige pelo menos duas observações preliminares. Elas estão relacionadas às duas citações acima.

É  fartamente  admitido  que  a  aplicação  ou  a  interpretação  das  leis  dependem  das circunstâncias. Uma atitude de deboche tem sido mais comum do que uma reação indignada toda vez que é lembrado o fato de que no Brasil há leis que “pegam” e leis que “não pegam”. Vários estudiosos  da  sociedade  brasileira  se  referem  ao  dinâmico  tráfico  de  escravos,  que  se desenvolveu entre 1826 e 1850, financiado por personagens importantes da sociedade, apesar da proibição legal, para buscar um exemplo paradigmático dessa “flexibilidade” na aplicação da lei.. Alfredo Bosi e Roberto Schwarz vão mais longe ao lembrar as ambigüidades e contradições entre o  ideário liberal e a ordem escravocrata que conviviam aparentemente sem dificuldades, o que acabava por atribuir méritos ao seu contrário (Bosi, 1992; Schwarz, 1990). Distância, e por vezes oposição, entre o discurso e a prática, essas marcas da sociedade brasileira estão presentes, especialmente na aplicação das leis.

Não se trata se desenvolver aqui uma análise dos fatores que levam uma lei a “pegar” ou não, porém, sem temer exageros ou fazer conclusões apressadas, podemos dizer que os direitos, durante séculos, se referiram a uma parte da sociedade, distinguida pelo patrimônio. Os mesmos autores acima, dentre muitos outros, lembram que em 1824, a Constituição Brasileira abrigava parte das Declaração Universal dos Direitos do Homem, os mesmos direitos que após o início do século XXI estão bem longe do alcance da maior parte da população. O arbítrio na aplicação da lei, fixando privilégios e discriminações atravessou séculos. Ele é generalizado, mas em nenhuma face da sociedade ele é tão evidente quanto na leitura que as metrópoles, com sua gigantesca ilegalidade urbanística e exclusão social, proporcionam: lei para alguns, modernidade para alguns, mercado  para  alguns,  cidade  e  cidadania  para  alguns...  (Castro  e  Silva,  1997;  Maricato 2000,2001). Em rápidas palavras, mais do que a inadequação técnica, o que define o sucesso ou não de uma lei é o interesse dos donos do poder – o patrimonialismo, para usar a expressão de Raimundo Faoro, outro autor que muito contribuiu para a compreensão de uma outra marca profunda da sociedade brasileira. Ao analisar a história do planejamento urbano no Brasil, Villaça (1999) vai na mesma direção.

A  segunda  observação  preliminar  que  cabe  fazer  antes  da  análise  do  instrumento jurídico/urbanístico que nos coube nesta coletânea diz respeito à tradição de importar do exterior as idéias para explicar ou para conduzir nossos destinos. Nota-se uma atração especial dos urbanistas, em consonância com as elites, pelo “dernier cri” do planejamento europeu ou norte americano. Nos seminários acadêmicos, nas dissertações e teses defendidas nas universidades, as comparações entre São Paulo, Rio de Janeiro, Paris, Barcelona, Londres, Nova Iorque se faz, freqüentemente,  sem  qualquer  advertência.  Celso  Furtado,  um  intelectual  que  se  envolveu intensamente com a busca de caminhos para o desenvolvimento sócio-econômico brasileiro, na administração pública, é insistente em apontar o mimetismo cultural que solapa as iniciativas de acúmulo do conhecimento e da construção da nação. Em trabalho anterior Maricato procurou mostrar que a análise do ideário do planejamento urbano no Brasil configura “idéias fora do lugar” (no dizer de Schwarz) enquanto há um “lugar fora das idéias”, isto é, uma parte da realidade urbana – ilegal, oculta, ignorada – que não é objeto de teorias, leis, planos e gestão (e onde predomina a relação de favor ou clientelista), ao passo que a outra – a cidade do mercado hegemônico, a cidade oficial, formal, legal – mimetiza o debate internacional. Apenas uma parte da cidade, uma verdadeira ilha de primeiro mundo, merece atenção de instrumentos urbanísticos detalhados. Dessa forma, concentrando investimentos, regulação, serviços de manutenção, a cidade se conforma ao modelo concentrador de renda, poder e propriedade que marca toda a sociedade. A matriz postiça não dá conta da realidade concreta ou, como escreve Sergio Buarque de Holanda, referindo-se ao intelectual brasileiro, as idéias vindas de fora asfixiam nossa “vida verdadeira”. (Holanda, 1971:123) De fato, Europa e Estados Unidos não apresentam realidades como o comprometimento da rede hídrica que funciona como um conjunto de canais condutores de esgotos, regra absoluta no Brasil urbano. Também não apresentam nada semelhante às favelas e à cidade ilegal. Jamais, num país do capitalismo central, o Estado faria vistas grossas para a intensa ocupação de mananciais de água potável, ou de mangues, áreas “protegidas” por leis federal, estaduais e municipais. O controle sobre o uso e a ocupação do solo, no Brasil, é discriminatório:  se faz apenas nas áreas que interessam aos proprietários privados, como é coerente numa sociedade patrimonialista.

A importação de modelos do exterior desconhece a especificidade da sociedade e das cidades brasileiras (e latino-americanas de um modo geral). Como nó central de diferença está o acesso ao mercado – especialmente o mercado residencial legal – que não incorpora nem metade da população brasileira (Maricato, 2000), enquanto nos países do capitalismo central o acesso à moradia  servida  de  água,  esgoto  e  transporte,  além  dos  serviços  de  educação  e  saúde,  é praticamente universal. Essa especificidade é fundamental. Ela faz toda a diferença. Desconhecê- la significa desconhecer a realidade e manejar a ficção, ou melhor, significa tomar uma parte da cidade  pelo todo:  a cidade  do mercado que é,  em muitas  metrópoles,  a  cidade  da  minoria privilegiada.

A operação urbana consorciada não fugiu a essa rotina, verdadeiro destino do capitalismo periférico, como se verá adiante.

Parcerias público-privadas: uma idéia consensual?

O consenso em torno das Operações Urbanas se deve à aceitação que vem ganhando a idéia de se efetivar parcerias entre o Poder Público e os diferentes agentes sociais na gestão da cidade, como forma de superação das dificuldades que o Estado enfrenta. A idéia da parceria público-privada não surge no Brasil, assim como não é originário daqui o próprio instrumento da Operação Urbana. Já na década de 70, inicia-se na Europa e nos EUA um processo paulatino de déficit de arrecadação do Estado, devido a problemas como o aumento do desemprego, o alto custo  de  manutenção  do  Estado-Providência  e  a  crise  fiscal,  todos  relacionados  com  as transformações  paradigmáticas  geradas  pela  reestruturação  produtiva  e  o  esgotamento  do modelo   fordista-taylorista.   Por   essa   razão,   ganharam   força   políticas   visando   uma   co-responsabilização da gestão das cidades por todos os agentes participantes da produção do espaço urbano[1].

Embora a idéia da parceria incorpore essas noções de participação da sociedade civil organizada, através de associações locais, por exemplo muito comuns na Europa, é inegável que no caso das operações consorciadas a iniciativa privada ganha um papel de destaque, pelo volume de capital de que dispõe, em relação a um Estado pouco ágil do ponto de vista financeiro. A lógica está na possibilidade do Estado, pelo seu poder regulador, trabalhar com incentivos que tornem a participação direta nas melhorias urbanas – através do pagamento de contrapartidas – atrativa  para  a  iniciativa  privada.  Evidentemente,  os  instrumentos  para  a  efetivação  dessas parcerias ganharam contornos muito mais liberais nos EUA do que na Europa, onde o Estado manteve um controle significativo sobre a gestão do território.

Outro fato que alimentou a recepção bem sucedida da proposta de operações urbanas está na possibilidade dela representar uma alternativa para as amarras da legislação modernista/funcionalista,  uma  possibilidade  de  flexibilização  da  legislação  contra  esse  “engessamento”. Regras que pretendiam dar conta da normatização do uso do solo em todo o território urbano, desconhecendo, freqüentemente, especificidades espaciais, sociais e ambientais, foram perdendo paulatinamente  prestígio.  O  ideário  do  urbanismo  funcionalista  correspondia  (estamos  nos referindo, sempre, aos países do capitalismo central), ao Estado provedor, regulador, portador da razão. Esse Estado foi uma construção resultante da evolução (ou adaptação) do capitalismo em confronto  com  as  lutas  dos  trabalhadores  durante  todo  o  período  de  industrialização.  Seu desmonte em virtude do fortalecimento da ideologia neoliberal determinou também a demolição daquele ideário urbanístico.

Mas  não  foi  apenas  o  pensamento  neoliberal  que  determinou  o  fim  do  urbanismo modernista/funcionalista.  Críticas  muito  bem  fundamentadas  apontam  os  erros  de  uma  tal concepção de controle centralizado e burocrático sobre a cidade, pelo Estado. Uma delas é formulada por Jane Jacobs em seu clássico Morte e vida das grandes cidades. A necessidade de tratamento específico a determinadas áreas ou bairros da cidade, a importância do envolvimento da sociedade na manutenção e no controle urbanístico, a flexibilização de regras muito rígidas que desconheciam rotinas diárias, a monotonia e administração impessoal, o esvaziamento e a deterioração  de  bairros  inteiros,  foram  alguns  dos  motivos  para  a  demanda  por  novos instrumentos legais e novos procedimentos na gestão urbana.

No Brasil, a gravidade da crise fiscal nem precisa ser discutida, ainda mais depois da vigência  da  Lei  de  Responsabilidade  Fiscal.  A  maioria  das  nossas  grandes  cidades  está imobilizada  do  ponto  de  vista  financeiro.  Associe-se  a  isso  a  falência  do  paradigma  de planejamento  modernista/funcionalista  e  a  força  ideológica  dos  argumentos  neoliberais,  e entende-se porque a efetivação de parcerias com a iniciativa privada passa a ser vista como uma tábua  de  salvação  para  muitas  prefeituras,  sejam  elas  conservadoras  ou  progressistas.  As operações urbanas são justificadas por todos, como um instrumento importante para uma nova e moderna forma de gestão concertada, adaptada às contingências da nova economia. Na sua defesa, citam-se, entre outras qualidades, o seu uso com sucesso nos países industrializados, seu caráter  redistributivo,  seu  potencial  de  arrecadação,  as  perspectivas  de  renovação  com financiamento  privado  de  áreas  degradadas.  Mas,  como  já  dissemos,  se  boa  parte  dessas qualidades podem ser reais, sua efetivação depende muito da forma como serão detalhadas as operações. Se não forem considerados nesse processo uma série de fatores, que procuraremos discutir a seguir, pode-se acabar insuflando um instrumento muito útil para os interesses do mercado excludente.

Os “modelos” europeus  e americanos de parceria público-privada.

A primeira questão a ser problematizada é portanto a comparação recorrente que se faz entre as Operações Urbanas e as políticas semelhantes – mas não iguais – que as originaram, tanto nos EUA quanto na Europa. Como já foi dito, há uma diferença estrutural que impede que seja feita uma simples transposição dos resultados obtidos naqueles países para o Brasil. De fato, nos países industrializados,  quando se fala em mercado, fala-se na esmagadora maioria da população. Em outros termos, o mercado, em função da pujança do crescimento da economia capitalista desenvolvida, envolve naqueles países o conjunto da sociedade, cuja diferença entre os extremos de renda é centenas de vezes mais reduzido do que no Brasil. Logo, políticas públicas que trabalhem em parceria com a iniciativa privada, garantindo-lhe ganhos em troca de contrapartidas que “dinamizem” o mercado, estarão atingindo, mesmo que em graus variados, o conjunto da população.

Tome-se como exemplos as renovações do bairro portuário de Fells Point, em Baltimore, ou do Píer 17 em Nova York, ambas nos EUA, tidas pelos especialistas como exemplos de sucesso de operações consorciadas público-privadas (Muricy, 2000; Del Rio, 1990). Em ambos os casos,  as  diretrizes  das  intervenções  objetivaram  a  revitalização  de  áreas  “degradadas”, valorizando  o  uso  do  porto,  alavancando  oportunidades  econômicas,  sobretudo  terciárias  e voltadas para o turismo e o lazer, otimizando a arrecadação tributária na área, e permitindo sua re-ocupação  com  uso  residencial.  Pois  bem,  muito  embora  os  EUA  apresentem  inúmeros exemplos de apropriação excludente do espaço pelo capital imobiliário (como em Battery Park, Nova York), nestes dois casos a operação consorciada resultou na criação de espaços públicos centrais   bastante   dinâmicos   e  relativamente   “populares”[2],  guardados   os   desvirtuamentos estruturais inerentes ao capitalismo.

A transposição dessas experiências para o caso brasileiro não é automática, pelo simples fato de que aqui grande parte das populações de nossas grandes cidades esta fora do mercado. Políticas públicas que se associem à iniciativa privada visando uma dinamização do mercado como alavanca para a revitalização urbana fatalmente atingirão somente parte da sociedade. Essa é uma questão estrutural. Não se trata de dizer que as operações consorciadas público- privadas não possam nem devam existir no Brasil. Trata-se, entretanto, de relativizar o seu papel como instrumento gerador de alguma democratização do espaço urbano, sobretudo quando elas forem entendidas apenas como uma forma de parceria e troca de contrapartidas com a iniciativa privada. Considerando a dimensão do mercado imobiliário legal entre nós, as idéias neoliberais de fortalecimento do poder do mercado e diminuição do papel do Estado mostram-se completamente deslocadas.

A comparação com os modelos de operação consorciada europeus também deve ser feita com  extrema cautela.  Urbanistas com longa  experiência  na  administração  pública  paulistana concordam  que o exemplo francês, que se concretizou  nas  ZACs  –  Zônes  d’Aménagement Concerté,  teve  alguma  influência  quando  se  iniciaram  as  discussões  sobre  as  operações consorciadas  no  Brasil.  Entretanto,  as  diferenças  são  enormes,  e  hoje  dificilmente  alguma comparação pode ser feita. Em primeiro lugar, porque assim como nos EUA, tais instrumentos envolvem a dinamização de um mercado que é muito mais includente do que o nosso. Em segundo lugar, porque a Europa e a França em especial têm longa tradição política e tecidos sociais  altamente  integrados,  o  que  possibilita  um  efetivo  engajamento  da  sociedade  civil organizada  nesses  processos,  contrabalançando  o  peso  relativo  da  iniciativa  privada.  E  em terceiro lugar, porque a longa tradição social-democrata do Estado-Providência fez com que o controle do Poder Público nessas operações se dê em níveis incomparáveis com o que ocorre nas Operações Urbanas brasileiras. As ZACs atingem diretamente a estrutura fundiária das áreas afetadas. O Estado adquire as terras em áreas “degradadas” (por direito de preempção ou por simples desapropriação),  faz as melhorias de infra-estrutura, e decide  o uso  para cada  lote resultante  de  sua  intervenção,  realizando  inclusive  o  projeto  arquitetônico  do  edifício  a  ser construído no local, em alguns casos. Vende as áreas e os projetos destinados a equipamentos públicos aos respectivos órgãos responsáveis (ministério da educação para as escolas, da saúde para hospitais, setor de parques para praças, etc.), e as áreas destinadas a escritórios e outros estabelecimentos comerciais (também com os projetos prontos) à iniciativa privada. Cobrando desta última a plus-valia produzida pela valorização da intervenção, consegue recursos para amortizar financeiramente a operação como um todo e garantir a oferta de moradias.

As diferenças com a realidade brasileira na qual se insere o instrumento das operações urbanas consorciadas são enormes. Fica claro que no Brasil a participação da sociedade civil organizada  ainda  é  muito  pequena,  e  raramente,  mesmo  na  experiência  dos  orçamentos participativos,  está  presente  uma  visão  para  o  desenvolvimento  da  cidade  como  um  todo (sociedade e território). Como aqui o Estado serve historicamente aos interesses das classes dominantes, todas as leis, e não haveria de ser diferente com a das Operações Urbanas, tendem a responder aos interesses específicos dos lobbies dominantes e não a considerar as demandas generalizadas da sociedade. Por mais que essa perspectiva pessimista possa ser amenizada com o avanço da organização da sociedade civil, há de se ressaltar que uma mudança mais efetiva desse  quadro dependeria  de uma profunda  reviravolta  na  própria  estrutura  social,  política  e econômica da nossa sociedade.

Outra  grande  diferença  entre  os  países  centrais  e  periféricos  está  na  tradição  de investimento  social  do  empresariado,  especialmente  o  americano  (o  que  não  lhe  tira  as características capitalistas). No Brasil a tradição é contrária, como todos sabemos: a privatização da  esfera  pública,  tradição  de  muitos  séculos,  implicou  na  construção  de  uma  cultura  de privilégios,  favorecimentos,  ou  socialização  dos  prejuízos.  Recursos  públicos  sustentaram  e continuam sustentando muito da atividade empresarial privada. Nas cidades, a relação entre investimento público e capital imobiliário de ponta é notável. (Maricato, 2001)

Ainda que as contrapartidas recebidas pelo poder público decorrente de mudanças nos usos ou potencial construtivo das edificações possam resultar significativas, a maior parte das grandes e famosas urbanas operações implicaram em vultosos investimentos públicos oriundos de diversas fontes como foram os casos de Boston (ainda em implantação), Barcelona e Berlim.

Os países avançados já tem uma tradição de cálculos complexos relativos à outorga onerosa para o direito de construir. No Brasil, a contribuição de melhoria, um instrumentos criado nos anos 50, apresenta até hoje dificuldade de aplicação. Parte dela decorre do desconhecimento do judiciário sobre o assunto, além da resistência generalizada à sua aplicação.

Apesar dessas advertências e tomando a devida cautela contra importação de modelos, a comparação entre as realidades norte-americana, européia (países que exercem mais atração entre os intelectuais e profissionais brasileiros) e latino-americana pode ser útil para a avaliação dos problemas e potencialidades que as operações urbanas podem eventualmente apresentar. Como vimos, mesmo entre Estados Unidos e Europa podem haver importantes diferenças nos modos de aplicação de operações consorciadas, conforme o Estado mantenha maior ou menor grau de interferência no processo.

Características da Operação Urbana Consorciada no Estatuto  da Cidade

“Considera-se  Operação  Urbana  Consorciada  o  conjunto  de  intervenções  e  medidas coordenadas   pelo   Poder   Público   municipal,   com   a   participação   dos   proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma  área  transformações  urbanísticas  estruturais,  melhorias  sociais  e  a  valorização ambiental” (Estatuto da Cidade, Seção X, Art. 32, § 1º).

Face à força com que se difundem os valores neoliberais hegemônicos do pensamento  único (Arantes et aal, 2000), é fundamental ressaltar que as operações urbanas, na forma com que são apresentadas no Estatuto da Cidade, não se restringem a parcerias em mega-projetos imobiliários altamente lucrativos para a iniciativa privada. A lei determina que o poder público coordene intervenções e medidas a serem implementadas na área delimitada pela Operação Urbana e remete à lei municipal específica, baseada no Plano Diretor, a delimitação da área e a definição de um plano de operação urbana consorciada que contenha, entre outras exigências (art. 33):

-    programa básico de ocupação

-    programa  de  atendimento  econômico  e  social  para  a  população  diretamente afetada pela operação

-    estudo prévio de impacto de vizinhança

-    contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização das melhorias decorrentes das modificações das normas edilícias e urbanísticas ou da regularização de imóveis

-    representação da sociedade civil no controle compartilhado da operação

Esta última condição não garante a aplicação democrática do instrumento. Muitas leis orgânicas municipais e Planos Diretores afirmam os conselhos gestores participativos mas eles raramente  foram  implementados.  O  que  se  entende  por  “representante  da  sociedade  civil” também pode variar numa sociedade na qual a cidadania é restrita. Digamos que a lei abre a possibilidade da participação, e a gestão democrática dependerá então da correlação local de forças. O estatuto da cidade remeteu, de fato, a resolução dos conflitos relativos à questão fundiária e imobiliária urbana à esfera municipal (no contexto do Plano Diretor) e se não garante, deixa alternativas para a mudança dos rumos da gestão urbana. Por exemplo, o item III do artigo 33, que exige um programa econômico e social para atender a população afetada pela operação constitui um exemplo mais positivo de mudança em que pese a indefinição sobre o destino (localização, condições) dessa mesma população.

Para “alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”, através de operações consorciadas “com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados”, o Estatuto da Cidade, estabelece os seguintes instrumentos, entre outras medidas:

1-  a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerando o impacto ambiental delas decorrentes;

2-  a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em  desacordo com a legislação vigente

Esses benefícios têm caráter de exceção, e sua autorização deve ser feita mediante a cobrança de “contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários e investidores privados”. Esses  recursos  somente  poderão  ser  aplicados  na  própria  operação  urbana  consorciada (parágrafo 1, art. 33).

Apesar do Estatuto da Cidade afirmar que a Política Urbana tem por objetivo ordenar o pleno   desenvolvimento   das  funções   sociais   da  cidade   e  da  propriedade   urbana,   essa característica de outorga onerosa com caráter especial em uma área delimitada pode contrariá-lo naquilo que é sua essência devido às características, já mencionadas, do mercado imobiliário excludente. E o artigo 34 abre a possibilidade de tornar essa característica (excludente) inevitável. Trata-se da possível emissão de CEPACS, os certificados de potencial adicional de construção, pelos municípios, como forma de arrecadação mais rápida dos recursos oriundos da venda de benefícios.

Por  essa  lógica,  o  Poder  Público  define  um  estoque  edificável  “a  mais”  na  área  da operação, lançando antecipadamente no mercado financeiro títulos equivalentes ao valor total desse estoque. Evidentemente, a grande vantagem desse sistema para o Poder Público é a possibilidade de antecipação da arrecadação, que passa a ser feita independentemente do ritmo de andamento da operação.

Para aproveitar-se do direito adicional de construção na área, o empreendedor teria que adquirir CEPACs no mercado e restituí-los à Prefeitura para poder usufruir do benefício do solo- criado.

Vamos lançar mão das palavras de Ferreira e Fix para uma leitura crítica dos CEPACs:

“Um primeiro problema dos CEPACs é a desvinculação que o título cria entre a compra do potencial construtivo e a posse do lote. Como qualquer um pode comprar o título, tendo ou não lote na região, e seu valor – como com qualquer título financeiro – pode variar, gera-se um novo tipo de especulação imobiliária, “financeirizada”. Os defensores dessa idéia dizem que tal dinâmica não está à mercê do mercado, já que os CEPACs serão lançados em operações específicas, sob controle do Poder Público. Além disso, os CEPACs teriam um “forte componente social”, pois poderiam ser vendidos para alavancar  a  reurbanização  de  favelas  ou  recuperações  de  cortiços,  e  seus  recursos poderiam ser utilizados em melhorias na cidade toda. O  “controle”  do  Poder  Público  é  relativo,  pois  os  CEPACs  –  e  consequentemente  as operações urbanas em que serão lançados  – são encarados apenas como uma fonte de recursos. Como a Prefeitura precisa de dinheiro, buscará, se adotar essa lógica, multiplicar ao máximo as operações urbanas. Nesse caso, institucionaliza-se a especulação imobiliária como elemento motivador  da renovação urbana na cidade. A conformação de seu desenho não se dá em função da ação planejada do Poder Público e das prioridades urbanas que ele estabeleça a partir da  demanda participativa da população (sobretudo dos 70% excluídos), mas se subordina ao interesse do mercado, que justificará ou não as operações. Ora, parcerias com a iniciativa privada devem ser parte de um plano maior, em que o Poder Público e a população estabeleçam as necessidades da área a ser renovada – habitações, parques públicos, passeios – e somente a partir daí se definam as contrapartidas a oferecer à  iniciativa  privada.  Quando  as  áreas  são  escolhidas  apenas  pelo  potencial  de  gerar dinheiro  através  dos CEPACs,  esquecem-se as condicionantes  urbanísticas  do  espaço público. Quanto  aos  recursos  arrecadados  com  os  CEPACs,  eles  servirão  para  investimentos públicos essencialmente nas áreas de interesse do mercado, em detrimento da periferia. Essa já é a lógica das operações urbanas: fazer a iniciativa privada financiar a recuperação da própria área da operação, vendendo-lhe o direito adicional de construção. É evidente que o mercado só se interessa por áreas nas quais vislumbrem certa valorização que justifique a compra do potencial construtivo adicional. O CEPAC exacerba essa lógica, pois  sendo um título, ele só funciona se for valorizado. Senão, torna-se um “mico”. Ou seja, os títulos só podem ser lançados em áreas que interessem ao mercado, ou alguém imagina que a iniciativa privada compraria CEPACs no Jd. Ângela ou em Guaianazes? Além disso, a prefeitura  terá  que  investir  pesadamente  em  obras  que  potencializem  sempre  mais a valorização dessas áreas, e portanto dos CEPACs a elas relacionados.(Ferreira e Fix, 2000)

Os CEPACs exacerbam portanto a características das operações urbanas nas quais as forças do mercado capturam o Estado para fazer o jogo da geração da renda diferencial num fragmento da cidade. É preciso reconhecer a dimensão das transformações ocorridas em algumas municipalidades  a  partir  do  lançamento  no  mercado,  de  títulos  municipais  (um  parente  dos CEPACs). Fort Lauderdale foi um grande sucesso empresarial do governo municipal. Apresentou uma arrecadação fantástica que alimentou e foi alimentada pelo crescimento urbano de alta renda marcado pelas mansões com seus iates nas numerosas marinas. Mas é preciso repetir: o alcance social do mercado (ainda que desigual pois os vizinhos de Fort Lauderdale não foram tão bem sucedidos) promove um processo de urbanização, nos Estados Unidos, totalmente diferente das condições da urbanização brasileira. Ele pode ter características de desigualdade mas jamais de gigantesca exclusão como é o caso do nosso. A proximidade da população de baixa renda (leia- se, a maior parte da população) é talvez o maior fator de desvalorização imobiliária nas cidades brasileiras. A valorização imobiliária é o combustível dos CEPACs, portanto, quanto mais distante a  área  da  operação  se  encontra da  moradia  social  maior  a  valorização  dos  certificados  de potencial adicional de construção. Manter a “população pobre” na área da operação funciona como um verdadeiro freio ao processo de valorização, o que em alguns casos é interessante como veremos adiante, mas não quando da utilização dos CEPACs.

Antes de discorrer sobre o que poderiam ser as possibilidades de operações urbanas includentes,  vamos  continuar  a  verificar  seus  aspectos  socialmente  negativos  a  partir  da experiência de São Paulo.

Operações Urbanas como instrumentos do capital imobiliário: o caso de São Paulo[3]

Nas operações urbanas realizadas em São Paulo, a idéia principal era a de parcerias público-privadas que permitissem o pagamento de contrapartidas importantes, do ponto de vista financeiro,  capazes  de  assegurar  o  custeio  de  aberturas  de  avenidas  que  interessavam sobremaneira  ao  setor  imobiliário.  A  justificativa  política  para  essas  operações  é  que  elas permitiam que “importantes obras viárias” fossem feitas “sem custos” para o Poder Público (Fix, 2001). O exemplo paradigmático desse tipo de operação é sem dúvida a Operação Urbana Faria Lima.

Essa abordagem da operação urbana já estabelece desde seu princípio alguns conceitos bastante questionáveis.

Em primeiro lugar, o elemento motivador dessas operações urbanas não é um plano urbanístico mais amplo elaborado pelo Poder Público e no qual se encaixe a necessidade de uma parceria para revitalização urbana dentro de prioridades  por ele estabelecidas,  ou ainda um estudo das demandas urbanísticas oriundas da sociedade civil, mas simplesmente uma resposta à demandas específicas do setor imobiliário. Por isso certamente a maior mobilização social provocada por uma Operação Urbana deu-se contra ela e não a seu favor, como foi o caso dos movimentos de classe média, Pinheiros e Vila Olímpia Vivos, na Operação Urbana Faria Lima. Em outras palavras, o que motiva a operação urbana é o interesse imobiliário, que encontra respaldo do  poder  público.  Nesse  sentido,  o  relatório  de  impacto  ambiental  (RIMA)  elaborado  pela Tetraplan para a Operação Urbana Faria Lima apresentava como justificativa para a operação:

“Esta região da cidade passou a atrair bancos e escritórios, que por sua vez propiciaram a implantação de outras unidades de comércio e serviços complementares (...). Nos últimos anos,  cada  vez  mais  esses  bairros  apresentam  vantagens  para  localização  de  novos edifícios, comerciais e residenciais, tendo em vista situarem-se entre dois pólos geradores de emprego, já consolidados como a Faria Lima e a Berrini” (Tetraplan, 1994:12)

O interesse do mercado pela região da marginal pinheiros, ao longo das avenidas Faria Lima e Água Espraiada é bem conhecido e tem relação com a movimentação da iniciativa privada na  criação  de  uma  “nova  centralidade  globalizada”  (e  segregada,  evidentemente)  na  capital paulista (Frúgoli, 2000; Nobre, 2000). Formou-se de um forte grupo de pressão sobre o poder público, que contava inclusive com arquitetos de renome com particular interesse na operação (fizeram   planos   urbanísticos   e   projetos   arquitetônicos   para   o   local)   e   que   exerciam, concomitantemente, funções de assessoria na prefeitura. Ou seja, a operação urbana torna-se um fim em si, apenas como elemento de alavancagem de uma mega-operação imobiliária. Perde-se o caráter urbanístico-social do instrumento.

É  claro  que  a  justificativa  técnica  da  operação  não  era  oficialmente  o  interesse  do mercado, mas sim a necessidade de completar um mini-anel viário (projeto de mais de uma década) que permitiria descongestionar o tráfego da região. O referido projeto continua sem finalização já que a junção entre as avenidas Faria Lima e Berrini não foi feita, e os trechos de avenida construída no contexto da operação não desafogaram em nada o pesado trânsito na área. Além disso os números da Operação Urbana Faria Lima mostram que a dupla motivação “construção de avenida” e “geração de oportunidades imobiliárias” supera em muito qualquer suposta demanda por melhorias urbanas mais diversas. Assim, dos 150 milhões de dólares previstos no custo inicial da operação, 120 milhões se destinavam exclusivamente ao pagamento das desapropriações necessárias à abertura da avenida! (PMSP, 2001). Em estudo sobre a Operação Urbana Faria Lima, Ana Claudia Barone (1994) mostra a ênfase dada à questão viária nas operações paulistanas:

“A obtenção de espaços qualificadores quase não aparece no programa de operações urbanas. Os projetos de lei,  quando fazem menção  a "melhorias  públicas",  referem-se quase exclusivamente a projetos viários, tratando com pouca ênfase de espaços públicos de convivido que podem ser criados” (Barone,1994).

Disso decorre,  diga-se de passagem, um resultado sofrível quanto  à qualidade  do desenho urbano na região afetada pela operação. Seria de fato de se esperar que o  capital arrecadado permitisse ao menos uma atenção especial quanto ao projeto dos espaços públicos incluídos na operação, tendo em vista inclusive a possibilidade do Poder Público definir, no âmbito da mesma, normas edilícias específicas. A Operação Urbana Faria Lima chega a exigir a existência de marquises em toda a frente do lote, e recuos significativos. Entretanto, a falta de uma regulamentação mais exigente fez com que  o resultado comprometesse os caminhos dos pedestres e a paisagem resultante: grades, muros ou plantas espinhosas demarcando o lote privado junto à via pública, jardins elevados que dificultam o acesso, praças “de esquina” completamente cercadas e intransitáveis a não ser a partir de dentro do lote, calçadas estreitas e  sem acessibilidade para deficientes ou espaço para bancas, pontos de ônibus, lixeiras e outros equipamentos, poucos ou nenhum edifício com espaços térreos públicos. Enfim, mais uma vez, vê-se que a simples menção na lei de algumas  normas não  garante que elas alcancem seu objetivo de democratizar o uso e a apropriação do espaço público.

Uma  segunda  questão  é  que  a  Operação  Urbana  motivada  exclusivamente  pela possibilidade de se gerar arrecadação com a troca de benefícios que atraiam o setor privado para financiar obras viárias, “pressupõe a existência de algum interesse do mercado imobiliário” (Fix, 2000). Em outras palavras, ao elevar as trocas da parceria público-privada a altos patamares de lucratividade com a venda de solo-criado em áreas de alta valorização, tais operações urbanas se afastam definitivamente das intervenções em pequena escala e acabam restringindo-se à setores em  que  haja  efetivamente  interesse  da  iniciativa  privada  em  investir.  Senão,  não  há  como alavancar a operação. Vistas dessa forma, dificilmente se tornarão viáveis operações urbanas em áreas periféricas excluídas do mercado, pois nunca haverá interesse do setor privado em pagar por potencial construtivo adicional. Nesse sentido, operações urbanas como a da Faria Lima acabam por concentrar um alto volume de investimentos, sejam eles públicos ou privados, em áreas já altamente valorizadas e beneficiadas por infra-estrutura abundante, em detrimento das periferias que de fato, deveriam ser prioridade de investimento. Inclusive, a lógica dos CEPACs, como já foi dito, exacerba ainda mais tal concentração, por vincular definitivamente a operação à áreas com potencial de “valorização” do título.

Esta constatação nos leva a uma terceira questão, que é a do uso do instrumento da operação urbana por uma sociedade de matriz arcaica, que confunde interesse público com favorecimento às  elites.  Embora não  tenha havido  nenhuma  transparência  à  respeito  e  não existam condições de se verificar qualquer afirmação numérica sobre os valores envolvidos na Operação Urbana Faria Lima, a Prefeitura de São Paulo, ainda na gestão Pitta, afirmava que “o custo do sistema viário implantado já foi coberto pelas receitas advindas da Operação”. Há aí uma pequena  manobra  que  visa  encobrir  os  verdadeiros  montantes  de  investimentos  públicos aplicados para a viabilização da operação.

Como lembra Fix (2001), ao escolher uma área para efetivar uma operação urbana, o município terá de ter certeza que essa área irá de fato interessar ao capital imobiliário, sem o que a parceria se tornará impossível (ainda mais se forme lançados CEPACs). Assim, o Estado é forçado  a  assumir  os  riscos  de  um  fracasso  da  operação  investindo  antecipadamente  nas melhorias que irão atrair a iniciativa privada. Se essa atração não ocorrer, esses investimentos terão sido enterrados em áreas já beneficiadas por infra-estrutura, em detrimento da cidade informal.  A  Operação  Urbana  Centro  (assim  como  sua  antecessora,  a  Operação  Urbana Anhangabaú), tem dificuldades em “decolar” apesar dos investimentos da Prefeitura e do governo estadual na área. Há um investimento público estadual significativo em projetos “culturais” que contam com o apoio das empresas que ainda ocupam o centro, na tentativa de construir os elementos de atratividade que poderiam garantir a dinamização das parcerias ensejadas.

A construção de novas centralidades urbanas, segregadas e marcadas por signos de distinção, em direção a áreas pouco ocupadas é uma forte realidade em toda grande cidade brasileira. Elas contribuem para esvaziar os esforços de recuperação dos centros históricos já que são prioridade para o investimento público e mais vantajosas para o capital privado. Isso pode ser verificado em São Luis, Fortaleza, Recife, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, etc. Os lobbies de proprietários e promotores imobiliários influem fortemente nos investimentos públicos que acabam por dar prioridade às sempre presentes “avenidas imobiliárias”, no dizer do urbanista Cândido Malta. No entorno do Rio Pinheiros, onde se situa a Operação Urbana Faria Lima, uma série de obras “complementares”, todas no entorno imediato ou mesmo dentro da área da operação, mas que  não entram  oficialmente  no seu  custo,  foram  efetivadas  antes  ou  concomitantemente  à implantação da operação: a ponte Bernardo Goldfarb sobre o rio Pinheiros, e o complexo de túneis sob o mesmo rio e sob o parque do Ibirapuera. No caso da Operação Urbana Água Espraiada, o córrego do mesmo nome foi canalizado e a avenida construída antes mesmo do início da operação. Portanto o que prevalece não é a lógica da operação calcada na parceria público-privada, mas o procedimento arcaico de sustentar os ganhos privados com o investimento público, sem considerar qualquer retorno. Essa é a dinâmica histórica do desenvolvimento urbano no Brasil e é no seu contexto que a operação urbana é inserida: um instrumento pós-moderno em um quadro arcaico.

A questão que se coloca portanto é que as operações urbanas, na forma como foram efetivadas  no  município  de  São  Paulo,  representam  o  caráter  mais  atrasado  da  sociedade brasileira: o comprometimento de dinheiro público para subsidiar a iniciativa privada. Isso mostra o quanto uma regulamentação inadequada das operações urbanas pode resultar num retrocesso conservador.

Investimentos aplicados na própria  área

Um outro ponto polêmico das Operações Urbanas diz respeito à restrição colocada no Estatuto da Cidade, pela qual os “recursos auferidos com operações consorciadas” devem ser aplicados na própria operação urbana. A justificativa para essa restrição está justamente na defesa da idéia de que a parceria público-privada permite renovações urbanas sem ônus para o Poder Público. Essa é toda a vantagem da associação com o setor privado. Obrigando a aplicar os recursos obtidos com a venda de exceções na própria área, o Estatuto da Cidade visa garantir que as custosas revitalizações urbanas, que interessam à iniciativa privada, saiam “de graça” para o poder público.

Como o Estatuto da Cidade estabelece que a Operação Urbana deve prever um “programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação” (Seção X, artigo 33), podemos entender que a restrição da aplicação dos recursos na própria operação poderá garantir a não-expulsão da população de baixa renda residente na área afetada? Na hipótese da população ser removida para uma outra área teríamos investimentos captados na operação  sendo  aplicados  fora  da  área  delimitada  pela  operação.  E  o  Estatuto  da  Cidade menciona a “definição de área a ser atingida” e não de áreas a serem atingidas. Dependendo de cada caso, manter a população na área pode fazer a grande diferença especialmente se se trata de áreas servidas de toda infra-estrutura como são os centros tradicionais. É importante lembrar aqui o quanto a interpretação da lei é estratégica para o interesse público e social. E essa interpretação não é exata, como se faz com a leitura de números, mas ela também é um produto social.

Na  Operação  Urbana  Faria  Lima,  por  exemplo,  previu-se  que  10%  dos  recursos arrecadados seriam destinados à provisão de habitações de interesse social. Passados seis anos de sua aprovação, não há sombra de qualquer edifício de habitação destinado à população de baixa renda na região diretamente influenciada pela operação e certamente será difícil localizar ali qualquer moradia social.

Ainda sobre a restrição da aplicação do recursos na área da operação, cabe ressaltar que por outro lado ela pode também “engessar” possibilidades de transferência da arrecadação obtida em uma área sujeita à operação urbana para outras passíveis de adensamento habitacional. A instalação de um grande shopping-center, o Cristal Shopping, em uma área ocupada por favela na Zona  Sul da cidade  de Porto Alegre,  resultou no  reassentamento da  população  –  com  seu consentimento – em um novo terreno, adquirido e urbanizado pelo empreendedor do shopping, que  construiu  ali  um  conjunto  residencial  e uma  escola,  oferecendo  uma  qualidade  de  vida infinitamente superior às condições antes vivenciadas na favela (Damasio, 2000).

Poderíamos  lembrar  que  o  instrumento  de  parceria  resultou,  em  última  instância,  na expulsão daquela população de uma “área nobre” da cidade, para um terreno mais periférico, dando continuidade ao eterno processo de transferência das populações pobres para as franjas urbanas. Mas além da melhora evidente que ocorreu nas condições de saneamento e habitação, pois se tratava de um terreno com problemas de drenagem e esgotamento, a concordância da população foi um critério central para a negociação. Nem sempre o que é valorizado por um grande empreendimento o é para uma comunidade. Ela pode preferir a segurança que está ao alcance das mãos a esperar do poder público providências num futuro incerto.

Algumas  possibilidades de operações  urbanas includentes

A captação da valorização imobiliária decorrente do investimento público é perseguida há muitos anos no Brasil. Esse tem sido tema de muitos seminários desde os anos 1970 até os dias atuais. É notável o empenho do LILP- Lincoln Institute of Land Policy em fomentar pesquisas, estudos e debates a respeito do assunto na América Latina. Essa e outras formas de arrecadação que poderiam incrementar as receitas urbanas encontram fortes resistências à sua aplicação como  demonstrou  Fernanda  Furtado  (1999).  Desses  instrumentos,  o  IPTU  é  o  de  maior potencialidade  de  arrecadação  além  de  importante  instrumento  de  justiça  urbana  (Smolka  e Furtado, 1996). Ele que é a forma principal de composição das receitas de cidades nos paises do capitalismo  central  é  bastante  desprezado  no  Brasil.  A  pesquisa  de  Informações  Básicas Municipais realizada pelo IBGE, em 1999, mostra que em apenas 13% dos 4.529 municípios brasileiros a arrecadação do IPTU atinge 80% ou mais dos imóveis cadastrados. O dado é mais relevante se considerarmos que na maciça maioria dos municípios o cadastro de imóveis é bastante desatualizado. A incidência do IPTU sobre terrenos é muito menor do que sobre imóveis construídos como mostra a pesquisa. Rio de Janeiro cobra IPTU sobre 57% dos terrenos, Porto Alegre, 57%; Goiânia, 40%; Salvador 25%; Recife, 17%. Manaus cobra em apenas 26% dos imóveis edificados e 18,9% dos terrenos. Fortaleza cobra em 36% dos imóveis edificados e em 27% dos terrenos.

O IPTU progressivo no espaço (alíquotas diferenciadas de acordo como valor venal) foi aprovado no interior de uma emenda constitucional, de setembro de 2000, após controvérsias que geraram  processos  sob  alegação  de  inconstitucionalidade,  nos  anos  90.  Está  em  vigência portanto, e se presta como o instrumento, por excelência, de arrecadação e justiça urbana com mais propriedade do que o simples IPTU. A implementação desse instrumento, bem como outros já tradicionais como a contribuição de melhorias, as zonas especiais de interesse social, a própria lei  de  zoneamento,  que  pode  tornar  o  mix  de  moradia  uma  forma  compulsória,  devem  ter prioridade sobre outras “novidades” da agenda urbanística na medida em que dizem respeito à diminuição da extravagante desigualdade social.

Essa constatação não impede o poder público de fazer com que a iniciativa privada, especialmente  aquela  constituída pelos setores de  ponta,  absorva  os impactos  urbanos  que produz, o que significa pagar por eles. Os governos municipais estão assistindo, nas últimas duas décadas,  à  instalação  de  empreendimentos  que,  pelo  seu  porte,  influenciam  fortemente  a orientação do crescimento urbano gerando muita demanda de novos investimentos em infra- estrutura  no  entorno,  quando  não  decorrentes  diretamente  da  nova  construção.  São  mega- intervenções que terminam por dirigir a ação do poder público mesmo quando este se esforça para não se subordinar aos interesses das corporações empreendedoras dessas grandes obras.

Alguns instrumentos urbanísticos têm sido testados nas últimas décadas para dar conta desse problema. As leis de impacto de tráfego, de vizinhança e ambiental são bons exemplos de como o poder público pode defender-se (e defender o interesse público)  desses problemas. Graças a elas Shoppings Centers tiveram seu projeto original modificado, em várias cidades brasileiras.  Em São Paulo, o Shopping Center Aricanduva foi obrigado a: instalar dois conjuntos de semáforos, construir uma ponte sobre o córrego, duplicar dois trechos de pistas da avenida Aricanduva para acomodação do tráfego de entrada no edifício, abrir uma rua que cortava a grande área do empreendimento fazendo uma ligação viária inexistente entre dois bairros e deixar 30% da área da gleba sem pavimentação para efeito de absorção de água pluvial. Por sua própria escolha, os empreendedores optaram por construir na área institucional uma creche a ser doada para   a   prefeitura   e   podendo   atender   seus   próprios   empregados.   Nessa   construção o empreendimento absorveu mais uma demanda que seria fatalmente dirigida à prefeitura. Além da análise dos impactos, foi fundamental a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Paulo (na gestão de Luiza Erundina) entender que havia um parcelamento da gleba, no projeto do empreendimento e que por isso deveria haver uma doação de área ao poder público. Foi esse mesmo princípio, ou essa mesma leitura da lei que permitiu levar o empreendimento Chácara Tangará (atualmente Projeto Panamby) a conquistar para a cidade de São Paulo um de seus mais belos parques públicos, parte dele resultante de um projeto de Burle Marx nos jardins da mansão de um playboy dos anos 60, Baby Pignatari. Ambos os projetos são do mesmo período – 1990 a 1992 – e mostram que se o interesse público tiver defensores na gestão municipal toda a cidade ganha sem dar qualquer contrapartida, bastando apenas a constatação dos impactos a serem absorvidos pelos empreendimentos. A julgar por esses experiências há uma folga na previsão dos montantes desses investimentos pois após um pequeno movimento inicial  de  resistência  os  investidores  aceitaram,  até  mesmo  com  certa  satisfação,  dar  a contrapartida. Leis não faltam e muitas delas não têm sido utilizadas em toda sua plenitude. A lei 6766/79, de parcelamento do solo, dá ao poder público primazia na definição das diretrizes de loteamentos privados, no entanto, é comum verificar-se que as áreas públicas dos loteamentos estão, freqüentemente, na localização mais inadequada da gleba.

As operações interligadas tiveram início em 1988 em São Paulo, precedendo as operações urbanas, e resultaram em algumas negociações positivas como o caso do Shopping West Plaza que resultou em recursos suficientes para a construção de 700 moradias sociais e uma passarela sobre a avenida lindeira ao Shopping. O que foi pensado para constituir casos de exceção em relação à legislação do zoneamento mediante o pagamento de contrapartida, entretanto, tornou- se regra devido ao interesse em aumentar a arrecadação pura e simplesmente fazendo da lei do zoneamento letra morta. Por uma iniciativa do Ministério Público Estadual elas foram suspensas por inconstitucionalidade e estão de volta no texto do Estatuto da Cidade mas atreladas ao Plano Diretor.

Pequenas operações resultantes de acordos formais entre o poder público e a iniciativa privada,  materializados  em  contratos,  tem  sido  experimentados  no  Rio  de  Janeiro,  gerando recursos  diretos  e  indiretos.  A  Secretaria  Municipal  de  Urbanismo  implementa  pequenas operações que podem ser divididas em quatro categorias: a) obrigações relativas a grupamentos de edificações residenciais cujo objetivo é obter edifícios, terrenos ou recursos para a construção de equipamentos municipais, b) obrigações de urbanização cujo objetivo é a complementação ou extensão da infra-estrutura c) operações interligadas que são os únicos contratos feitos nos quais a contrapartida financeira é mensurada e d) obrigações relativas a gestão de recuos decorrentes das normas de alinhamento (Castanheira e Palha, 2000) A Fundação de Parques e Jardins da Prefeitura do Rio de Janeiro também tem buscado, como tem acontecido em muitas cidades, parcerias  com  a  iniciativa  privada  ou  associações  para  a  manutenção  de  praças,  jardins, mobiliário. Além da ampliação dos recursos a serem utilizados na manutenção desse patrimônio os aspectos da educação ambiental, da responsabilidade coletiva sobre a paisagem construída e da participação também são importantes (Ainbinder, 2000).

Se leis não faltam é forçoso reconhecer a necessidade de seu aperfeiçoamento e essas experiências têm mostrado isso. Mais do que uma ação burocrático cartorial no cumprimento da lei, os quadros técnicos das prefeituras podem ter um papel ativo em cada oportunidade de melhor aproveitar as potencialidades da paisagem, do ambiente construído, das necessidades sociais. Uma argumentação contra esse espaço de negociação ao invés de normas rígidas e detalhadas está no perigo do arbítrio do funcionário que pode ser levado ao erro ou à corrupção. Sem  tirar  a  legitimidade  desse  argumento  lembramos  que  em  nossa  realidade  convive regulamentação  exagerada  com  corrupção  generalizada.  Para  insistir  novamente,  não  há alternativa eficaz sem controle social. O espaço urbano é uma construção social e a gestão do poder público não pode se restringir a uma normatização burocrática pois nesse caso, sem dúvida a eficácia (tendo em vista o interesse público e social) ficará comprometida. Essa foi uma das grandes falhas do urbanismo funcionalista cuja operação foi excessivamente centralizada pelo Estado.

A necessidade de regras gerais para as negociações entre poder público e privado foi o que motivou a prefeitura de Porto Alegre a propor Projetos Especiais e Operações Concertadas no  Plano  Diretor  de  Desenvolvimento  Urbano  e  Ambiental  aprovado  em  1999.  Antes  dessa formulação as operações urbanas não tinham um regramento básico. Os Projetos Especiais se destinam aos empreendimentos urbanos que pelo grande impacto ou normas especiais exigem uma análise específica. Quando esse projeto envolve parcerias devido ao interesse mútuo entre promotor  privado  e  poder  público  exigindo  acordos  programáticos  ele  é  classificado  como Operação Concertada. Quando esses projetos forem classificados como “de impacto” deverão passar pela análise deliberativa do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental, órgão composto de representantes do governo, das entidades civis e da comunidade em partes iguais. (Damásio, 2000)

Como vemos, as Operações Urbanas podem ser utilizadas de tal forma a possibilitar intervenções de menor porte na cidade, visando melhorias urbanísticas com a participação não só nem obrigatoriamente do setor privado, mas também da sociedade civil organizada. A questão a ser respondida é: mas eventuais benefícios a serem aplicados em áreas periféricas serão capazes de alavancar um movimento da iniciativa privada capaz de dinamizar a região? Evidentemente, tudo dependerá das contrapartidas exigidas, que devem se adequar ao perfil da iniciativa privada, onde quer que esteja sendo realizada a operação, seja em áreas nobres ou na periferia. Ainda assim, cabe ressaltar que o Plano Diretor de São Paulo de 1985, elaborado na gestão Mario Covas, já apresentava a idéia de Operações Urbanas, em moldes muito mais próximos a estes acima colocados do que aos das gestões Maluf e Pitta. Diz o texto daquele plano:

[As  Operações  Urbanas]  “são  entendidas  como  conjuntos  integrados  de  intervenções desenvolvidas  em  áreas  determinadas  da  cidade,  sob  coordenação  do  Poder  Público, visando  (...)  viabilizar  a  produção  de  imóveis  (notadamente  habitação  popular),  infra- estrutura, equipamentos coletivos e espaços públicos, de difícil consecução nas condições correntes do processo imobiliário e da ação pública” (PMSP, 1985:196)

Em seguida, o plano arrola uma série de áreas sujeitas às operações: muitas repetem as que continuariam sendo alvo de interesse do setor imobiliário, como Pinheiros e Barra Funda. Mas cabe ressaltar que das 12 áreas propostas,  6 delas, São Miguel, Vila Matilde, Vila Maria, Santo Amaro, Vila Nova Cachoerinha e Campo Limpo eram regiões periféricas pertencentes à cidade informal.

O fato é que essas operações urbanas nunca vingaram. Por falta de capacidade financeira do  Estado?  Por  falta  de  interesse  do  mercado?  Ou  porque  não  se  tentou  uma  concepção participativa com a realização de acordos e exigências  de contrapartidas mais adequadas à iniciativa privada estabelecida nesses bairros? Instalação e construção de jardins, calçadões, praças, podem resultar da exploração de bancas, quiosques, negócios de porte pequeno ou médio. A instalação de comércio em conjuntos habitacionais  (que por incrível que pareça o urbanismo funcionalista impedia) pode ser autorizada mediante contrapartidas que promovam melhorias ou a manutenção de equipamentos no local.

Segundo Fix (2000) “diante do volume de recursos necessários para custear as propostas, o  Plano  de  Covas  foi  acusado  de  absurdo,  utópico  e  estatizante”.  Fica  a  indagação:  se  a fantástica soma gasta na gestão de Paulo Maluf para construir 11 obras viárias em São Paulo, 9 das quais encontram-se próximas da nova centralidade “fashion” paulistana, fosse aplicada nas Operações Urbanas na periferia, isso não surtiria um impacto significativo?

O Estatuto da  Cidade  não  estabelece  que  a  contrapartida  deva  ser  necessariamente financeira, o que pode abrir margem a inúmeras outras possibilidades quando da regulamentação da operação no plano diretor. Também, embora seja esse o filão almejado pelo setor imobiliário, a concessão de direito adicional de construção não é o único benefício possível. A operação urbana consorciada   abre   inúmeras   possibilidades   interessantes   para   o   poder   público   efetivar transformação urbanas necessárias de interesse ambiental e social. Um exemplo de projeto de operação urbana para o centro de uma região que tem mais da metade da população morando em favelas pode ser encontrada na operação proposta para a área central de Madureira no Rio de Janeiro mas infelizmente não é uma experiência que possa ser avaliada pois ainda se encontra no estágio da intenção (Oliveira, 2000).

A proposta da urbanização específica prevista nas operações urbanas pode constituir uma condição importante nas reformas de centros urbanos desvalorizados onde se pretende conservar o  mais possível o arruamento e as edificações mantendo também a população moradora dos cortiços. A Operação Urbana Centro, em São Paulo, dá um subsídio de 10% a mais no coeficiente de aproveitamento aos empreendimentos resultantes de remembramento de terrenos. Ou seja, esta operação favorece a demolição  e a intervenção  cirúrgica  ao invés  da reciclagem  e  da conservação das características existentes na ocupação urbana. A transformação cirúrgica tende a  pressionar  para  cima  o  preço  dos  imóveis  constituindo  importante  fator  de  expulsão  da população. A reciclagem não garante a manutenção dos moradores que habitam os imóveis deteriorados mas torna a inclusão no processo mais provável.

O arquiteto português Felipe Lopes dirigiu a reabilitação de três bairros medievais de Lisboa, habitados por população de baixa renda, baseado no conceito de “intervenções mínimas”. O projeto deveria assegurar condições de conforto ambiental e higiene das moradias interferindo o  menos possível na tipologia das casas e do bairro. Isso impediu que o preço dos imóveis subisse muito e a manutenção dos moradores também funcionou como um freio à especulação. Esse processo pode trazer muitas lições para as operações urbanas: nem sempre o melhor caminho é o da valorização decorrente de uma intervenção cirúrgica pois ela gera especulação e exclusão social. Manter a população e frear a valorização pode ser mais interessante. Mas é claro que a concepção de operação urbana nesse caso não situa a valorização imobiliária como nexo central.

Mas o que fica ainda mais evidente é que todas essas possibilidades, embora estejam de acordo com a lei, dependem de uma regulamentação municipal que as favoreça. Mais uma vez, fica clara a importância que passará a ter a mobilização política da sociedade civil no momento da elaboração  dos Planos  Diretores  Municipais  e  das  leis  complementares,  que  poderão  incluir possibilidades do tipo, ou simplesmente “esquece-las”.

O poder dos lobbies do setor imobiliário e o alto grau de promiscuidade entre Estado e classes dominantes no Brasil nos levam a crer que não será fácil conduzir as operações urbanas para algumas das finalidades aqui descritas. Nesse sentido, os oito anos de gestão conservadora na cidade de São Paulo tem função pedagógica na hora de se analisar o que pode ser feito com esse instrumento no sentido de favorecer apenas os interesses do setor imobiliário.