Mais sobre táxis, corredores e mobilidade

O meu último post me deu o enorme prazer de gerar um grande debate, infelizmente não aqui nos comentários do blog, mas lá no Feicebuque. Fico feliz, pois essa era uma das intenções primeiras do blog: gerar debates e discussões sobre a cidade.

Estou preparando um post sobre o meu balanço do primeiro ano da gestão Haddad. Mas a discussão ficou tão boa que não resisti a continuar um pouco o assunto. 

Há, na minha postagem anterior, duas dimensões de discussão: uma política, outra técnica. A primeira acho que ficou clara: mesmo que seja necessário tirar os táxis dos corredores a médio prazo, a política de "mudança" de prioridade para o ônibus é polêmica e recebida com agressividade pelos setores conservadores das classes média e alta. Cabe um timimg, um processo progressivo, sem o que, com a ajuda da mídia, a política torna-se impopular e perde força a longo prazo. Além do desgaste político, com o qual qualquer prefeito irá lidar, porque mesmo que coloque o objetivo dos ônibus e o bem da cidade como objetivo final, não pode perder seu espaço político no meio do caminho.

O caso de Paris é um bom exemplo. Se Delanoë é hoje provavelmente o prefeito mais popular da história, ele não evitou passar por momentos tensos em duas ocasiões: quando decidiu implementar corredores de ônibus em uma cidade reconhecida pela fartura do metrô, e quando, mais recentemente, resolveu implementar faixas para bicicletas na contramão dos carros , em ruas menores. Em ambos os casos, a gritaria foi enorme, e no fim, as medias funcionaram, e muito bem.

Por isso, argumentei que não deveria caber ao MP, primeiro, interferir em questões tão técnicas, mas sobretudo, não deveria ser dele a decisão política sobre o timing desse tipo de medida. Acaba, ao defender um princípio correto, o da prioridade aos ônibus, fragilizando a implementação dessa mesma política.

A segunda dimensão da minha postagem era mais técnica, e essa gerou muita discussão. O argumento principal que surgiu é o de que, em suma, táxis são carros, ocupam espaço como os carros, são instrumento de privilégio, elitistas, poluentes, e como ajudam a colapsar o trânsito devem receber o mesmo tratamento do que o dos automóveis. Os mais radicais defensores da prioridade total ao transporte público tendem a defender esse argumento.

Devo dizer que discordo desse argumento. O que não significa dizer que ache que eles devem poder usar os corredores. Acho que até podem, dependendo das circunstâncias, do tipo de corredor, etc. Hoje, aliás, é bom lembrar que eles não podem usar qualquer corredor, apenas as faixas exclusivas à esquerda da via, e somente quando com passageiros. Nas faixas à direita, são proibidos de entrar. Meu argumento é que, nas da esquerda, chegará um momento em que deverão sair, em nome da eficiência do corredor, mas acho que esse momento ainda não chegou.

Como o táxi, ao contrário do carro, é um serviço comercial, que seus donos, por mais que sejam conservadores, reacionários ou o que quer que seja (essa é uma reclamação constante), faz sentido que, se o trânsito colapsado (por culpa do Poder Público) não lhes permite que trabalhem, sejam dadas algumas alternativas, como foi o caso da autorização de uso de (alguns) corredores.

Por que discordo dos meus colegas mais radicais na defesa do ônibus? Porque táxi é um serviço público, e é parte integrante do sistema de mobilidade de uma cidade. Esse sistema deve ser, ates de tudo, estruturado sobre modais complementares. Quanto mais, melhor. Foi o argumento de Delanoë ao defender fazer em Paris corredores de ônibus ALÉM do metrô, muitas vezes com trajetos que duplicavam os do metrô.

A melhor e mais eficaz solução de transporte, que não cria barreiras e tem carregamento incomparável em relação aos demais (chega a 80 mil passageiros/hora por sentido), é o metrô. Depois, vêm os ônibus, mas em formas diferentes: do corredor expresso exclusivo, estrutural, com carros tri-articulados e catraca na estação (agilizando o embarque e desembarque), em que evidentemente é melhor não se meter a colocar um táxi no caminho, ao micro-ônibus de bairro, passando por sistemas intermediários, como as faixas exclusivas, os corredores com ou sem ultrapassagem, e por aí vai.

A esse sistema, somam-se as formas de transporte individual alternativas, dentre as quais a mais nobre é, sem dúvida, a bicicleta. Ainda assim, embora os bikers mais atléticos e jovens defendam religiosamente a ideia, não é exatamente um meio de massa que permita atravessar uma cidade como a de São Paulo, ainda mais para os quarentões em diante. Por isso, a bicicleta deve ser usada em complementação ao metrô e ao ônibus, seja podendo ser embarcada, ou havendo bicicletários nas estações. Ou com o sistema de compartilhamento de uso público, como as que se vê na Europa. 

Mas há outras modalidades de transporte individuais que devem existir na complementariedade do sistema. O carro é uma delas, quando usado de forma compartilhada. E há duas maneiras de fazê-lo: seja com o táxi, seja com os carros compartilhados de uso público.

O carro é uma alternativa pois traz uma opção de conforto para o usuário, em várias ocasiões. sobretudo para quem não tem carro, quando a bicicleta ou o transporte público não são adequados: para às compras no hipermercado, para quem quer sair a noite e beber sem culpa (pelo menos quanto a dirigir, não quanto ao fígado), em dias de muito frio, muito calor, ou muita chuva, para chegar àquela reunião que irá mudar sua vida justo no dia em que perdeu a hora e dormiu demais ("coincidentemente"), para levar uma mala para a casa da(o) nova(o) namorida(o), ou aquele enorme bolo no almoço de domingo na casa da sogra, para levar o cão bravo no veterinário, ou a sogra ao hospital (depois do bolo, é claro), e assim por diante.

Para isso, algumas cidades vêm implementando o carro compartilhado, que de preferência é elétrico, mas nem sempre. Poucas, como Paris, oferecem um sistema de retirada/entrega do mesmo em pontos de abastecimento, como com as bicicletas, que não é forçosamente o melhor. Outras cidades, como Nice ou Montréal, utilizam um sistema francês de gerenciamento, bastante interessante. Há uma frota de carros (elétricos ou não) à disposição na cidade, claramente identificados (em geral com uma pintura específica) com isenção de Zona Azul (em acordo com as prefeituras). O usuário entra na internet, verifica onde está o estacionado o carro mais próximo, reserva, vai até ele (tem 15 mn para isso senão perde a reserva), verifica se há algum amassado (e se for o caso o relata), entra e liga com seu cartão magnético. Depois de usar, o larga na vaga que achar próximo ao lugar do seu destino. O sistema automaticamente colocará o carro à disposição de um novo usuário. Eventualmente, se este estiver andando na rua e vir o carro livre, pode entrar e usar com seu cartão.

Esses sistemas são caros, e podem ser vistos como elitistas. De certa forma o são, pois nas cidades capitalistas ainda temos uma hierarquia de serviços, e uma acessibilidade pouco justa aos mesmos. Mas ainda assim, é uma forma compartilhada, mais racional e sensata de usar o carro, que quando elétrico, ainda mais não é poluente. O que temos que desejar é que nossa sociedade possa permitir a qualquer um, com empregos e salários dignos,  o uso desses serviços alternativos 

A segunda forma de usar o carro de forma compartilhada, mas paga, é o bom e velho táxi. Na prática, cumpre a mesma função que esses carros compartilhados. Com os novos aplicativos móveis, ganhou extrema agilidade para ser chamado e grande segurança no serviço. Se é exorbitantemente caro, é porque a política pública de regulamentação da cidade não é eficaz como deveria. Mas nem por isso deve se sumir com eles.

É isso. Vamos em frente, de ônibus, bike ou táxi, ou mesmo de carro, pois como disse, esse é um processo longo, a ser implementado de forma gradual.

 

 

PS: reproduzo aqui comentário do meu amigo urbanista Valter Caldana, no seu Facebook, e que eu achei bem pertinente e no mesmo sentido do que escrevi aqui:

"Correndo o risco de desagradar alguns amigos "transporteiros", é preciso entender que neste momento de transição e de reapropriação do sistema público de transportes pela classe média que habita no entre-rios, o taxi significa uma carro a menos na rua e não um passageiro a menos nos ônibus. E que a solução para São Paulo passa pela inter-modalidade, na qual o taxi está incluído".