Assumindo a Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo - algumas mudanças no blog

Car@s leitor@s deste blog.

Há dez dias decidi aceitar o convite que me foi feito pelo prefeito Fernando Haddad e assumi a Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo.

Um enorme desafio. A um ano das eleições, não será um trabalho fácil. Assumindo a pasta que estava, em razão dos acordos de campanha assumidos pelo prefeito, nas mãos de outro partido, o PP.

Após sete dias à frente da Secretaria, parece que já passaram sete anos, tal o volume de coisas a apreender e os processos em andamento, que passam por cima da gente com mil decisões a tomar antes mesmo que tenha pé da situação. 

Minha sorte é que ao assumir veio comigo uma equipe com enorme experiência de gestão, que me deixa mais tranquilo na minha atuação: o amigo arquiteto Mario Reali, ex-Prefeito de Diadema, ex-Deputado Estadual, é meu Secretário Adjunto, e já me dá todo o suporte com a infindável experiência que tem. Na Chefia de Gabinete veio Luis Macarrão, outro técnico com conhecimento invejável da máquina pública e que viveu a gestão da Ermínia Maricato na mesma Secretaria. Geraldo Juncal, amigo e arquiteto com experiência na assessoria técnica de mutirões e vindo de 12 anos à frente da Secretaria de Habitação e desenvolvimento Urbano de Embu, veio presidir a COHAB. Além deles, juntaram-se à equipe gente como Wagner Germano, Celso Sampaio, Malú D'Alessandro, Gabriel Blanco, Adriano Constantino, e gente que estava já por lá, de enorme qualidade, como Márcia Terlize, Paulo Giaquinto  e outros. Em suma, uma equipe dos sonhos.

O que já pude aprender em poucos dias é o quanto a máquina pública brasileira é travada por uma superestrutura jurídico-legal e uma teia de interações políticas e institucionais que tornam tudo muito difícil. Talvez pela lógica do Estado Patrimonialista, que levou as gestões mais progressistas ao longo da história a aprovarem leis e mais leis para se "proteger" de desvios e desmandos dos que o utilizam como instrumento de vantagens pessoais, talvez pela necessidade do poder público criar defesas e limites às suas ações, dada a dimensão da pobreza do nosso país (que fazem com que se multipliquem situações de fragilidade social que podem levar à responsabilização do Estado, ou ainda que produzem demandas infindáveis que o Estado na prática não consegue tratar), talvez por mais um mundo de outras razões, o fato é que fazer qualquer coisa, implementar qualquer ideia, destravar os nós existentes, tudo isso demanda enorme energia e necessidade de sobrepor um número infindável de obstáculos jurídicos. Por um lado isso é bom (pois é sinal de que há um zelo necessário), por outro lado, nos faz compreender porque as ideias que de fora parecem tão simples são lá dentro tão complicadas.

Por outro lado, é impressionante o que de fato se pode fazer: nosso desafio é reorganizar a política municipal de habitação, dando-lhe um fio condutor, um sentido de política pública, retomando um diálogo mais intenso com os protagonistas da questão habitacional, os movimentos de luta por moradia e a população mais pobre que vive em condições precárias.

Ao contrário do que muitos poderiam pensar, não encontramos na Sehab terra arrasada.  Mais uma vez, a postura midiática de esconder as ações do Governo Haddad, associada ao fato de que habitações para os mais pobres nunca foram pauta dos grandes jornais (porque pouco interessam à vida das classes mais altas, infelizmente), faz com que pouco se saiba das ações da prefeitura nesse campo. O Secretário anterior, José Floriano, tocou a secretaria com seriedade e muita preocupação ética, e muitas ações foram implementadas.

Na lógica (generalizada no Brasil) de produção de habitações em massa no âmbito do Minha Casa Minha Vida (MCMV), com todos os poréns de qualidade que se possa ter, a cidade está construindo cerca de 23 mil unidades habitacionais, além das cerca de 8 mil que já entregou. E outras 15 mil estão já licenciadas (ou seja, com aprovação legal para construção), à espera de recursos. É sabido que o MCMV vinha produzindo de forma desequilibrada, a saber demais em cidades menores onde a demanda não é tão grande, e de menos nas grandes metrópoles, onde se concentra de fato a demanda por moradia. São Paulo vinha ajudando a reequilibrar essa equação.

Mas talvez o fato mais relevante seja que a prefeitura gastou mais de 700 milhões de Reais em desapropriações de terras e de edifícios, constituindo um parque público destinado à habitação social como nunca antes feito. Ter terra para produzir moradia para os mais pobres é um dos desafios mais difíceis no Brasil, em que impera o que Ermínia Maricato chamou de "o nó da terra".

As dificuldades econômicas no nível federal, entretanto, frearam a continuidade dessa produção, embora não a tenha paralisado. 

Uma boa notícia desse refreamento é que a Sehab já iniciou uma maior atenção aos projetos do chamado MCMV Entidades, que pode aproveitar esses terrenos desapropriados para a construção de moradias sob a liderança dos movimentos organizados e das assessorias técnicas de arquitetura e urbanismo. Até hoje, no âmbito do MCMV, essa modalidade havia sido preterida (cerca de 20 mil unidades produzidas no Brasil para a faixa de renda mais baixa, face a cerca de um milhão pelo MCMV Empresarial, para essa mesma faixa), embora ela seja comprovadamente portadora de grande qualidade. Vejam o exemplo do mutirão Florestan Fernandes, atualmente em construção na Cidade Tiradentes, com projeto da assessoria Técnica Ambiente, e contratando pequenas empreiteiras da região (gerando empregos locais): apartamentos de mais de 60 m², com elevador, cabendo dentro do custo do MCMV, que normalmente produz "apertamentos" de 48 m², em quatro andares de escadas. 

A política a ser implementada deve procurar ampliar novamente o leque de ações, já que a política habitacional no Brasil só pode funcionar se, além da produção em quantidade, necessária face ao tamanho do nosso déficit, houver uma variedade de soluções propostas tão grande quanto é a variedade de problemas habitacionais. Favelas consolidadas, favelas em áreas de risco, loteamentos irregulares, cortiços, prédios vazios no centro, moradores de rua, o leque de situações é infindável, e estas não podem ser tratadas com um só remédio. Esse é o desafio: estruturar uma política ampla, muito embora, em menos de um ano e com enorme restrições orçamentárias, não se possa esperar implementar muita coisa daqui até o ano que vem. O que vamos fazer, é claro, tem uma perspectiva de 5 anos. Oxalá possamos dar continuidade a esse trabalho.

Um exemplo concreto desse planejamento a médio prazo é a situação da chamada bolsa-aluguel. Há anos que a solução dada às famílias retiradas de áreas de risco e grande precariedade (ou de favelas urbanizadas onde o projeto realizado não atendia a totalidade das famílias), foi dar-lhes uma bolsa que lhes garantisse o pagamento de um aluguel na cidade. Uma solução inicialmente generosa e mediata, mas que ao longo dos anos tornou-se algo difícil de se gerir. Hoje a cidade tem 30 mil famílias nessa situação, e parte da Sehab na prática atua como um banco. Nesta gestão, as bolsas foram transferidas para um sistema de gestão via cartão bancário, em parceria com o Banco do Brasil, o que melhorou a situação. Mas, a médio prazo, esse número deveria reduzir-se pela oferta de moradias, mas também deveria ser aos poucos substituído pela oferta de habitações por locação social. Um programa de fôlego, que demanda anos para ser implementado.

Isso tudo mostra o tamanho do desafio a ser enfrentado. Para este blog, significa é claro uma diminuição da minha disponibilidade em produzir textos, embora pretenda continuar, justamente como um canal de comunicação e de difusão do que estivermos fazendo.

Porém, para mantê-lo como um espaço de discussão regularmente alimentado, e em respeito às centenas de milhares de pessoas que por aqui passaram em cerca de dois anos de vida, pedi a um grupo de colegas professores da FAU e amigos, Caio Santo Amore, Karina Leitão e Luciana Royer, que se encarregassem de produzir textos com alguma regularidade. Posso garantir que o comprometimento com a causa das cidades mais justas e a qualidade das informações serão iguais, senão maiores do que aqui já se publicou. Além disso, abrirei este espaço para grupos de alunos e colegas que sempre andam produzindo coisas muito interessantes e importantes.

Contando com a sua fidelidade a este blog, um grande abraço.

 

João Sette Whitaker